segunda-feira, dezembro 07, 2015

Para além da guerra das estrelas

RACING EXTINCTION (2015)
Muitas das imagens que vemos, só as vemos por causa (e através) do poder das mais diversas formas de marketing. Observe-se o que tem acontecido nos últimos meses com a proliferação de informações, especulações e muitas novidades mais ou menos redundantes em torno do novo título da saga A Guerra das Estrelas. “Bom” filme? “Mau” filme? Seja o que for... Não é isso que está em causa. Acontece que o marketing passou a ser um dos elementos decisivos em todas as agendas noticiosas que nós, jornalistas, assumimos como nossas. De tal modo que, no contexto português, já há muito tempo deixámos de dizer/escrever A Guerra das Estrelas, submetendo-nos aos desígnios da linguagem global (Star Wars).
A questão é esta: imagens como a que acompanha este texto tiveram (e têm) uma exposição infinitamente menor que qualquer reprodução do novo visual de uma determinada personagem de A Guerra das Estrelas. Nela se dá conta das marcas terríveis de práticas mercantis que ameaçam a sobrevivência de muitas espécies — pertence ao filme Racing Extinction, de Louie Psihoyos, por certo um dos mais elaborados e contundentes panfletos que já se fizeram sobre a urgência dos problemas ligados às alterações climatéricas.
Por um lado, há que reconhecê-lo, o filme de Psihoyos (vencedor, em 2010, do Oscar de melhor documentário, com The Cove – A Baía da Vergonha, sobre a matança de golfinhos no Japão) conseguiu uma espectacular difusão, tendo sido mostrado no dia 2 de Dezembro, pelo canal Discovery, em mais de duas centenas de países; por outro lado, é desconcertante observar como o espaço televisivo, tantas vezes concedendo histérica evidência às coisas mais fúteis e medíocres, não foi capaz de se mobilizar para exponenciar o valor de um produto que, afinal, emana da sua linguagem específica.
De facto, e um pouco ao contrário do que acontecia em The Cove, Psihoyos optou desta vez por uma estrutura muito mais fragmentada, tipicamente televisiva, organizando uma teia de mini-reportagens sobre as actividades de cientistas e activistas que trabalham para contrariar os efeitos (assustadores, em alguns casos) das alterações do clima que se têm verificado nas últimas décadas. É a televisão a funcionar a partir da sua mais básica, mas também mais essencial, vocação pedagógica, expondo a complexidade de muitas conjunturas biológicas, sociais e económicas sem ceder aos equívocos da especulação por qualquer preço.
Falando da dramática sobrevivência de tigres, tubarões ou dos seres mais microscópicos, Racing Extinction consegue essa proeza, de uma só vez televisiva e moral, de colocar o espectador comum perante problemas que não são meras teses dos “especialistas”, uma vez que pertencem, em tudo e por tudo, a uma guerra de sobrevivência interior ao nosso quotidiano. Psihoyos explora um valor que nem sempre prevalece. A saber: a crença de que o espectador conhece o prazer de pensar.