quarta-feira, novembro 18, 2015

A imagem da bomba terrorista

1. Assim vai o mundo.

2. Meios de informação do planeta inteiro conseguem agitar-se, e provocar agitação, se uma qualquer Kardashian de fama mais ou menos postiça expõe a alguma câmara fotográfica dois inesperados centímetros de pele... Mais do que isso: geram-se grandes debates virtuais sobre o "certo" e o "errado" de uma qualquer forma de nudez, como se disso dependesse a sobrevivência moral da raça humana.

3. É neste mesmo mundo que os terroristas do Estado Islâmico publicam uma foto que, alegadamente, dá a ver as componentes de uma bomba idêntica àquela com que cometeram um dos seus crimes hediondos (contra um avião da Rússia) — num passe de mágica, sem paragem nem reflexão, essa imagem, instantaneamente, está em todo o lado, em todo o mundo...

4. Deixemo-nos de tretas infantis. Não se trata de sugerir que os autores de tal gesto — a começar pelo jornal El Mundo, que deu a conhecer a imagem — devam ser formalmente limitados nos seus direitos informativos. Nem se sugere, nem de longe nem de perto, que haja neles qualquer tipo de cumplicidade com os crimes do terrorismo. As questões envolvidas são, de uma só vez, menos imediatas e mais perturbantes.

5. Acontece que o jornalismo contemporâneo vive parasitado por uma ingenuidade (?) perigosa: o que existe como imagem tende a ser imediatamente tratado como "reprodutível", dando origem a uma proliferação do mesmo que, pelo seu efeito de repetição, acaba por favorecer uma banalização sem pensamento, tecida de uma indiferença visceral em relação àquilo que se vê e dá a ver. Tudo pode ser imagem? Sem dúvida, porventura até o silêncio indizível da morte — mas a imagem não é tudo.