Felizmente, em televisão, ainda há quem pense... a televisão: Trevor Noah, por exemplo, novo apresentador de The Daily Show — este texto foi publicado no Diário de Notícias (16 Outubro), com o título 'A CNN e os outros'.
De acordo com um poderoso cliché de natureza moral, a discussão da linguagem televisiva esgota-se num cálculo maniqueísta que, em boa verdade, marca a prática (e a mentalidade) de uma significativa maioria de profissionais da informação. Que cálculo é esse? Pois bem, decorre de uma aritmética simplista em que tudo se decide entre a “verdade” e a “mentira” que as imagens e os sons podem integrar — meio século depois, decididamente, tais profissionais ainda não tiveram um bocadinho do seu tempo para ver Pedro, o Louco (1965), de Jean-Luc Godard.
Trevor Noah, o novo apresentador de The Daily Show, tem tentado discutir tais questões, assumindo o essencial da herança de Jon Stewart. A saber: um sistemático empenho na desmontagem dos clichés da linguagem televisiva, em particular na abordagem das convulsões do universo político.
Há dias, comentou com acutilante energia um spot da CNN, promovendo a realização de um debate entre candidatos à nomeação presidencial do Partido Democrata. Em brevíssimos segundos, o espectador era confrontado com algo que mais parecia a antecipação de um combate de boxe, a ponto de Noah desabafar, com calculado sarcasmo: “Vocês não têm coração! Qualquer uma destas pessoas poderá vir a ser o próximo Presidente dos EUA!”
Infelizmente, as observações de Noah estão longe de serem válidas apenas para a CNN. Tem-se assistido, de facto, um pouco por todo o lado, a uma consagração de formas pueris de comunicação (?) em que a televisão é entendida — e, sobretudo, praticada — como uma linguagem que se confunde, ponto por ponto, imagem por imagem, com a vulgaridade dos mais primitivos padrões da publicidade. No limite mais perturbante de tal atitude está a banalização de imagens de infinita complexidade simbólica (por exemplo, a queda das torres do World Trade Center), reduzidas à função de um vulgar e intermutável clímax visual. Dir-se-ia que, por vezes, a televisão vê o mundo como uma interminável colagem de spots publicitários.