quinta-feira, outubro 29, 2015

Regresso a "Regresso ao Futuro" (3/3)

Robert Zemeckis e Michael J. Fox
— rodagem de Regresso ao Futuro (1985)
21 de Outubro de 2015 tornou-se um dia mitológico na história do cinema a partir do momento em que Marty McFly (Michael J. Fox), proveniente do ano de 1985, viajava no tempo e "aterrava" nessa data — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Outubro).

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Há uma amarga ironia no facto de as comemorações em torno de Regresso ao Futuro se sobreporem ao lançamento em todo o mundo do mais recente filme de Robert Zemeckis, O Desafio (Título original: The Walk), sobre a travessia de Philippe Petit, em 1974, ligando as Torres Gémeas do World Trade Center. De facto, sendo Zemeckis um dos mais ousados experimentadores do cinema americano das últimas três décadas, não deixa de ser desconcertante que a espantosa utilização do 3D em O Desafio, capaz de nos fazer repensar os conceitos cinematográficos de espaço e narrativa, tenha sido muitas vezes recebida com um misto de ligeireza e indiferença.
Georges Méliès
Vale a pena recordar que entre os primeiro e segundo títulos de Regresso ao Futuro, Zemeckis assinou outro filme decisivo na evolução das técnicas de figuração cinematográfica: Quem Tramou Roger Rabbit? (1988) combinava de modo exuberante as figurinhas dos desenhos animados com os actores de carne osso, afinal abrindo possibilidades que a produção mais recente tem confirmado e, com maior ou menor felicidade, desenvolvido.
Zemeckis possui essa muito primitiva capacidade de desafiar o naturalismo “congénito” do cinema. De facto, a noção segundo a qual os filmes servem para “reproduzir” o mundo à nossa volta tornou-se um pobre enunciado da mais rasteira cultura televisiva, sempre apostada em tratar as imagens como se fossem meras “duplicações” de um real disponível e transparente. Ora, criadores como Zemeckis, fiéis à herança do mago Georges Méliès (1861-1938), ensinam-nos a compreender que o real é também o resultado do olhar que nele aplicamos, abrindo as hipóteses de um jogo figurativo cuja fronteira instável é sempre a nossa identidade. Com ele, aprendemos também a perguntar o que é isso de ser espectador.