sábado, outubro 31, 2015

ABC da "esquerda/direita"

PABLO PICASSO
Palhaço
1962
A. A lógica com que a maioria dos meios de comunicação (a começar pela televisão) tenta compreender o mundo à sua/nossa volta é um mistério. Assim, por exemplo, em entrevista à SIC Notícias, Jerónimo de Sousa esclareceu que, nas conversações em curso com o Partido Socialista, nunca o Partido Comunista Português se reuniu com o Bloco de Esquerda — num contexto mediático em que se valorizam as coisas mais anódinas, é tragicamente sintomático que ninguém formule uma pedagógica perturbação em torno dos fundamentos desse acordo a três, em que dois nunca se encontraram.

B. Desgraçadamente, esse é apenas um detalhe no impensado que vai alargando o seu território social. A saber: afinal, de que esquerda falamos quando falamos de um acordo entre três partidos de esquerda? A questão é esta: depois de muitos anos de divergências — e, em particular, de demarcações mútuas entre PS, PCP e BE —, seria da mais básica sensatez reflectir sobre os sentidos transcendentes e redentores que se atribuem a essa palavra esquerda, começando por dizer, serenamente, que não é salutar para ninguém usá-la como um “abre-te Sésamo” dotado dos mesmos poderes descritivos da fórmula H2O para identificar a composição química da água.

C. A própria “direita” aceita viver enredada no mesmo maniqueísmo, não sabendo como expor o vazio ideológico da “esquerda” — porque o vazio ideológico da “direita” não é, no plano simbólico, muito diferente. Não havendo personalidades políticas que arrisquem formular a ideia básica de que há um cansaço imenso, socialmente bloqueante, na dicotomia “direita/esquerda”, observamos o país a ser empurrado para uma guerra de "valores" em que predomina a agressividade verbal e escasseiam as ideias.