Num panorama em que o circo obsceno à porta de José Sócrates anula qualquer réstea de sensatez, é bom deparar com a sobriedade de uma reportagem sobre o papel terapêutico que alguns animais podem desempenhar — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Setembro), com o título 'História com cães e cavalos'.
Será por pecado de altivez ou arrogância, mas devo confessar que é cada vez menor a minha crença na possibilidade de encontrar dispositivos básicos, singelamente tradicionais, de jornalismo televisivo. Em mais um fenómeno de trágica transversalidade, o circo obsceno montado à porta da casa onde está a viver José Sócrates parece trazer renovada motivação ao meu cepticismo. E pasmo com o facto de não emergir uma única voz do meio político capaz de serenamente dizer que aquilo que está a acontecer só pode agravar a percepção do jornalismo como evento anedótico, empurrando a política para o domínio do irrisório.
No meio de tão angustiada e angustiante paisagem, foi por acidente que deparei com uma reportagem, intitulada “Os Tratadores” (SIC Notícias), assinada por Miriam Alves (jornalista) e Rodrigo Lobo (imagem). Não posso esconder a emoção profunda que me provocou, mas confesso também que tenho receio de me exprimir desse modo, quanto mais não seja porque a exploração das “emoções” atingiu dimensões vergonhosas, desde a mercantilização da intimidade na reality TV até à promoção de muitas formas de histeria futebolística.
Sublinhemos, por isso, o mais linear: desde a depuração técnica (incluindo a gestão dos intertítulos e, em particular, a sóbria elegância da montagem) até à construção metódica de um ponto de vista, é bom, por uma vez, deparar com um trabalho que se mantém fiel aos padrões mais clássicos — e mais sérios — da arte de construir uma reportagem.
A participação de animais (cães e cavalos) em diversas formas de terapia em escolas e hospitais do nosso país, surge-nos, assim, apresentada na sua imensa complexidade humana e médica. Nenhum paternalismo em relação aos pacientes, nenhuma descrição pitoresca dos próprios animais — antes a afirmação simples, mas essencial, de que usar uma câmara (e um microfone) para compreender o mundo à nossa volta é coisa árdua, exigindo disponibilidade para olhar para além de qualquer cliché. Devia ser a regra, mas é a excepção.