Entre a multidão de discos que surgem todas as semanas – o que é bom a bem da liberdade criativo mas tem os seus custos na capacidade de assimilação por cada par de ouvidos – há frequentemente títulos que escapam à atenção quando saem da toca pela primeira vez. E com os meses do calor para colocar a escrita em dia, eis que finalmente dou de caras com um novo disco de Ezra Furman (editado na Primavera) que, com este Perpetual Motion Picture, nos dá inclusivamente um dos melhores discos que já ouvi este ano.
Natural de Chicago, onde nasceu em 1989 (tem neste momento 29 anos), teve uma primeira banda – Ezra Furman and the Harpoons – com a qual chegou a editar três álbuns entre 2007 e 2011. Após a digressão que acompanhou o terceiro destes discos gravou o relativamente melancólico The Year of No Returning, um álbum a solo que, mesmo sem editora (e a bênção do Kickstarter), lançaria em 2012. Seguiu-se Day of The Dog (2013), já sob um primeiro acordo editorial. Entre ambos os discos afirmava-se uma voz autoral em busca de um caminho no presente, embora claramente herdeira de várias linhas clássicas que nos transportam a memórias intensas e angulosas dos setentas. E agora, na sua estreia pela Bella Union, eis que em Perpetual Motion People alcança aquele momento em que as referências finalmente se mostram definitivamente arrumadas e uma linguagem mais segura e bem definida que suporta um conjunto de temas que, ainda por cima, revelam igualmente um passo em frente por parte do escritor de canções que soube não se repetir.
De horizontes mais alargados que os trilhados pelo disco de 2013, polindo as suas arestas mais abrasivas e abarcando igualmente os territórios menos festivos observados na estreia a solo, Perpertual Motion People é um álbum feito de uma aparente luminosidade na qual as canções de Ezra Furman aprofundam as suas reflexões sobre identidade, ansiedade e um sentido de desenquadramento perante o mundo ao seu redor que tantas vezes se abate sobre quem não se verga aos ditados normativos. Como Michael Hadreas (ou seja Perfume Genius) aqui encontramos uma voz de referência para os misfits do nosso tempo.
Musicalmente Ezra Furman encontra aqui o patamar de entendimento entre um claro encantamento que parece ter pelas memórias do doo wop (como se escuta em Lousy Connection) e de raízes clássicas da cultura rock’n’roll, convocando heranças dos cinquentas e sessentas, juntando o calor do saxofone ao som das guitarras, num conjunto mais eclético que nunca, todavia mais bem estruturado e afinado, lembrando por vezes aquele entusiasmante festim de acontecimentos que sucedia nas canções dos Violent Femmes (bem evidente num Restless Year). Um disco a inscrever entre o que de melhor acontece em terreno indie por estes tempos.