Com chancela de Steven Spielberg, na produção executiva, a série televisiva The Whispers copia (mal) as suas referências — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Julho).
Durante muitas décadas, existiu uma espécie de entendimento hierárquico das relações cinema/televisão. As séries televisivas eram recebidas e, em grande medida, assumidas como variações sobre modelos previamente testados pelo cinema, desde o western (Bonanza) até às aventuras de espionagem (Missão Impossível, a original dos anos 60). A partir de certa altura, compreendemos que a televisão ganhou maturidade, começando a procurar os seus próprios métodos e linguagens. Da comédia (Seinfeld) ao policial (A Balada de Hill Street), a ficção televisiva foi consolidando um universo específico, apoiado em matrizes que estavam para além da citação de padrões cinematográficos.
Digamos que as coisas passaram a estar muito mais baralhadas. E, na pior das hipóteses, deparamos com séries que já nem sequer se preocupam em reinventar géneros enraizados na história do cinema. Em boa verdade, limitam-se a inventariar referências mais ou menos consagradas. O caso de The Whispers (a passar no canal TV Séries) é tanto mais embaraçoso quanto, de facto, sob ele pesa o valor simbólico e artístico de um nome como Steven Spielberg, citado no genérico como produtor executivo.
Não sabemos o que Spielberg fez em The Whispers ou se, tendo em conta que se trata de uma produção a que está ligado o seu estúdio (Amblin), se limitou a dar o aval para o respectivo desenvolvimento. O certo é que a série parece ser uma colagem mais ou menos arbitrária de situações que já vimos tratadas de outro modo, com inconfundível imaginação, em filmes realizados por Spielberg, como Encontros Imediatos do Terceiro Grau (os objectos que aparecem a milhares de quilómetros do lugar previsto), ou que ele produziu, como Poltergeist (as crianças que comunicam com entidades invisíveis). The Whispers sofre até dessa impotência narrativa que consiste em multiplicar acções breves, repetidas e repetitivas apenas para acumular tempo... Como se não bastassem as novelas a fingir que têm alguma coisa para contar.