Reda Kateb e Leïla Bekhti O ASTRÁGALO |
BRIGITTE SY
* Nasceu em Paris, em 1956.
* É mãe, com Philippe Garrel, dos actores Louis Garrel e Esther Garrel.
* Escreveu, com Serge le Péron, o argumento de O Astrágalo.
Estreou-se como actriz em Crónica da Mais Velha Profissão do Mundo (1979), de Daniel Duval, com Miou-Miou no papel principal. Surgiu pela primeira vez num filme de Philippe Garrel em Les Baisers de Secours (1984); depois, colaborou várias vezes com ele, quer como intérprete, quer como argumentista. Em 1990, num pequeno filme para o canal Arte, expôs a sua condição de seropositiva. Les Mains Libres (2010) foi a sua primeira longa-metragem como realizadora. O Astrágalo tem produção de Paulo Branco.
Esta entrevista com Brigitte Sy, realizadora de O Astrágalo, foi publicada no Diário de Notícias (11 Julho), com o título 'Vejo Albertine como um modelo de força vital'.
Brigitte Sy |
O livro O Astrágalo, de Albertine Sarrazin, não é, evidentemente, uma história vulgar. Parece-lhe que a podemos classificar como uma história de amor louco? No sentido surrealista?
Albertine Sarrazin dizia que o seu romance era “um pequeno romance de amor”. Ela transformou o encontro milagroso com Julien no começo da sua obra. Um pequeno romance de amor para uma grande história de amor, contrariada pelas ausências de Julien em fuga, depois pela prisão que os separou durante vários anos... Albertine escreveu o seu romance na prisão, de novo separada de Julien. Sendo um amor fora do comum, para mais tendo em conta as circunstâncias do seu encontro, não é por isso menos real — foi a força da escrita de Albertine, e também do seu amor inalienável, que tornou o livro excepcional.
Como foi o trabalho de adaptação com Serge le Péron? Do vosso ponto de vista, tratava-se de alguma maneira de recuar no tempo e no estilo ou, pelo contrário, de “modernizar”?
Para Serge Le Péron e para mim, tratava-se de contar a história de Albertine tal como ela a conta, na época em que a viveu. Não queríamos trabalhar “inspirando-nos” no romance — o nosso objectivo era aproximarmo-nos da alma de Albertine e, claro, do espírito do livro. O que a torna uma mulher excepcional é o facto de, no contexto muito reaccionário da França dos anos 50, assumir a prisão, a homossexualidade e a prostituição, transcendendo pela escrita um comportamento reprovado pela moral da época. Transpor tal história para os nossos dias era algo que, para nós, não teria sentido.
A opção pelas imagens a preto e branco revela-se fundamental no impacto do filme — será que a história de Albertine não poderia existir a cores?
Fizemos este filme com um pequeníssimo orçamento. A escolha do preto e branco resultou de um gosto pessoal, mas também do facto de querermos escapar a qualquer efeito de “reconstituição”. Foi algo que nos conduziu a uma certa estilização, representando os anos 50 através do preto e branco desse período. Para obter o mesmo resultado a cores, teria sido necessário rodar o filme num quadro de tempo e dinheiro muito superior.
Sente o seu trabalho de algum modo ligado a outros cineastas franceses? Ou a certas tendências dramáticas e melodramáticas?
Os filmes de Robert Bresson, Jean-Pierre Melville, Agnès Varda, Jacques Becker ou Louis Malle não foram exactamente uma fonte de inspiração, mas é óbvio que construíram o meu imaginário... Se tentei fazer algo que corresponda àquilo que sou, não posso ignorar o facto de ter sido marcada por esses grandes cineastas — inevitavelmente, eles formaram o meu olhar. Por outro lado, a minha formação de cineasta passa pela maneira de trabalhar de Philippe Garrel e pelos seus filmes em que participei como actriz e, por vezes, co-argumentista.
Será que podemos dizer que a personagem de Albertine (tal como o próprio livro) existe como um símbolo feminino? Ou feminista? Ou nem uma coisa nem outra?
Vejo Albertine como um modelo de determinação, força vital, talento, autonomia e independência, factores todos eles inerentes à sua personalidade. Se é um símbolo para as feministas — cujos combates pela igualdade de direitos entre mulheres e homens eu aprovo —, ela é antes do mais uma artista que as mulheres são livres de escolher como símbolo. Para mim, é um exemplo de força, coragem e inteligência — Albertine lutava, antes do mais, por si própria. Vivia como uma mulher e também como um homem... Não tentava provar o que quer que fosse, a quem quer que fosse. Nesse sentido, para mim não é um símbolo.
Qual é ou quais são as suas heroínas femininas na história do cinema?
São actrizes como Gena Rowland e Anna Magnani, entre outras, cujo génio permanece um mistério absoluto, independentemente das personagens que interpretaram. Identifico-me com as mulheres através do seu talento — para mim, as personagens de ficção são sempre menos importantes que as actrizes que as encarnam.