domingo, julho 19, 2015

A saudação nazi de Isabel II

1. Foi tema de capa do jornal The Sun deste fim de semana: uma imagem de 1933 ou 1934 em que a futura Rainha Isabel II surge, aparentemente, a fazer a saudação nazi — no título, o jornal propõe um trocadilho entre a palavra "Highnesses" (Altezas) e a expressão "Heil Hitler".

2. A imagem fixa é extraída de um pequeno filme amador (17 segundos), da colecção privada da Rainha, nunca tornado público, obtido no castelo escocês de Balmoral. A Rainha Mãe faz o mesmo gesto, surgindo ainda Margarida, irmã de Isabel, e o futuro Rei Eduardo VIII — parece ser ele que sugere às crianças que procedam assim (Isabel teria 6 ou 7 anos, Margarida 3 ou 4).


3. A divulgação das imagens tem sido objecto de inúmeras notícias e comentários — eis apenas três exemplos: The Guardian + Le Monde + CNN.

4. Vale a pena tentar colocar a questão um pouco para além da lógica dominante nas reacções à publicação de The Sun. Dito de outro modo: não se trata de recalcar o facto (bem conhecido e analisado) de Eduardo VIII ter manifestado inequívocas simpatias por Adolf Hitler; nem se pretende fechar a discussão na responsabilidade política atribuível a uma criança de 6 anos (mesmo uma futura Rainha), para mais num contexto em que a atitude de muitos governos e instituições face à ameaça nazi foi, no mínimo, apática (recorde-se que, em 1935, o filme O Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl, objecto de propaganda do III Reich, foi distinguido com o prémio de melhor documentário no Festival de Veneza). Trata-se, isso sim, de questionar a mecânica deste tipo de jornalismo.

5. As preocupações de The Sun com a "verdade histórica" não passam de uma monstruosa hipocrisia. Na prática, publicações deste teor não procuram mais do que aquilo que, infelizmente, quase sempre conseguem: gerar um processo de multiplicação "social" da sua própria existência, obviamente apoiado pela proliferação automática dos circuitos da Net — é o triunfo do burburinho quotidiano contra a possibilidade de contextualização que qualquer matéria informativa pode e deve exigir. No limite, esta ideologia tablóide prejudica os valores e a deontologia do jornalismo que contesta a transparência "automática" dos factos, não abdicando de uma permanente avaliação das suas nuances e contextos.