Oito filmes editados em DVD permitem-nos reencontrar alguns dos aspectos menos conhecidos da carreira cinematográfica de Frank Sinatra — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Junho), com o título 'Quando Frank Sinatra era um símbolo de Hollywood'.
Com ou sem crises associadas, é um facto que temos assistido a uma mudança nos critérios do mercado do DVD. Sinal evidente de tal dinâmica está na proliferação de títulos mais ou menos “antigos”, eventualmente com estatuto de clássicos. Nem sempre somos servidos por princípios cinéfilos de organização e apresentação... O certo é que não nos podemos queixar: há muito que o DVD deixou de ser a mera repetição do que aconteceu seis meses antes nas salas escuras.
A edição de oito filmes interpretados por Frank Sinatra (1915-1998), distribuídos por duas caixas de DVD, pode ser um bom exemplo. Acima de tudo, estamos perante um conjunto de títulos capazes de nos ajudar a aceder à pluralidade da sua trajectória, contrariando a imagem de um Sinatra “especializado” em filmes musicais.
Ironicamente, o primeiro destaque é mesmo um musical: Guys and Dolls (1955), entre nós chamado Eles e Elas, exuberante adaptação do espectáculo homónimo da Broadway, centrado nas actividades de um grupo de vigaristas de Nova Iorque, em finais dos anos 40. Em boa verdade, Sinatra não era o líder do elenco, mas sim Marlon Brando naquele que é, por certo, o papel mais bizarro de toda a sua carreira (cantando, inclusive, vários temas da banda sonora). Na filmografia do realizador, Joseph L. Mankiewicz, é também um objecto deliciosamente atípico, situado entre A Condessa Descalça (1954) e Um Americano Tranquilo (1958).
Além de Mankiewicz, está representado outro mestre clássico, Frank Capra, através do seu penúltimo trabalho de realização: Tristezas Não Pagam Dívidas (1959), melodrama em que Sinatra assume a personagem de um viúvo, com um filho de 12 anos, apostado em salvar o hotel que possui em Miami. Ainda de finais da década de 50 são o drama histórico Orgulho e Paixão (1957), de Stanley Kramer, a comédia romântica O Querido Joey (1957), de George Sidney, e Só Ficou a Saudade (1958), de Delmer Daves (com Natalie Wood numa das suas primeiras personagens adultas).
A selecção completa-se com três policiais de finais dos anos 60, todos dirigidos por Gordon Douglas: Tony Rome Investiga (1967), O Detective (1968) e Uma Mulher no Cimento (1968). Até certo ponto, correspondem a uma tentativa de concorrer com a popularidade dos filmes de James Bond, em particularmente no tratamento das personagens femininas (Jill St. John, Jacqueline Bisset e Raquel Welch são as respectivas protagonistas). Em qualquer caso, ilustram uma reconversão dos valores dramáticos do policial clássico, no sentido de um profundo desencanto moral, fenómeno por vezes citado nas histórias do cinema como neo-noir, tendo como referência emblemática o filme Bullitt (1968), de Peter Yates, com Steve McQueen (e, de novo, Jacqueline Bisset). Na prática, tudo isto significa que Sinatra foi também um símbolo desse tempo de transição em que Hollywood refez, em alguns casos de modo muito crítico, as suas matrizes clássicas.