I. Seria precipitado caracterizar a capa da edição nº 4 da revista Cristina, de Cristina Ferreira, como uma mera manifestação do kitsch nacional. De facto, celebrando o desastre das formas, o kitsch arrisca ainda um assomo de dignidade na sua indiferença pelo mercado (seja ele qual for). Aqui, bem pelo contrário, tudo é pensado em função do mercado. Em rigor: da conjuntura virtual que hoje comanda muitos impulsos de consumo.
II. Trata-se apenas de garantir uma automática multiplicação de referências (incluindo este texto, sem dúvida), através de um infinito desdobramento/repetição iniciado por uma qualquer entidade que se insere nos circuitos de difusão. E a fotografia de Quaresma, para mais moderando a sua nudez através de uma outra fotografia (da protagonista, bien sûr), é um desses objectos estéticos em que qualquer hipótese de realidade está rasurada, prevalecendo apenas o vertigem da sua ausência — em poucos momentos, esta é uma imagem para pontuar todos os recantos da Net, consumando mais uma vitória da cultura dos links e da felicidade compulsiva que, mediaticamente, a alimenta (falta-nos mesmo alguma reflexão para compreendermos a ditadura da felicidade que, hoje em dia, tomou conta de muitos dispositivos televisivos).
III. Numa intervenção gloriosa, logo no começo do site da sua revista (27-02-2015), Cristina Ferreira assinava estas palavras admiráveis sobre um objecto de cinema: "(...) Yvone Kane é o drama escrito e realizado por Margarida Cardoso que conta a história de... Terá de ir à sala de cinema!" — a mensagem não podia ser mais clara: nada para dizer. O que conduz à pergunta pedagógica: que confronto é possível estabelecer com tão apoteótica ausência de pensamento? Acontece que não há, aqui, nada para enfrentar, nenhum confronto possível — um pouco como a inanidade das fotonovelas que suscitavam a Roland Barthes uma desesperada comoção: Leur bêtise me touche.