EUGÈNE DELACROIX O Massacre de Chios (1824) |
Porque é que o desporto, em particular o futebol, tem direito a todas as prioridades televisivas? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Junho), com o título 'Os novos chefes de Estado'.
1. Sucedem-se as mais lamentáveis altercações no mundo do desporto. Há dias, foi a final do campeonato nacional de futsal que ficou marcada por cenas nada edificantes, mostradas e repetidas pelas televisões, quase sempre voluvelmente disponíveis para empolar tudo o que envolva promessa, gesto ou agudização de conflito. E a pergunta que regressa é esta: será que as televisões já reflectiram sobre a regularidade com que fazem proliferar esta visão bélica das actividades desportivas?
2. O problema não está na culpabilização das televisões pelo triste comportamento de alguns adeptos. E escusado será dizer que nenhum programa televisivo pode ser responsabilizado pelas declarações pouco sociáveis que, ao longo de muitos anos, temos ouvido a vários dirigentes desportivos. O problema está, como sempre, nas escolhas envolvidas na abordagem de um acontecimento (seja ele qual for). E nem sequer estou a pensar na patética ânsia de agitação e balbúrdia, se possível tintada de sangue, com que alguns repórteres tratam tudo o que lhes aparece à frente, aliás, atrás (já que viram as costas ao que está a acontecer para olharem para a câmara...). Trata-se de começar por pensar o porquê de determinadas notícias em detrimento de outras. Exemplo? Nos últimos dias, dois cineastas portugueses (Miguel Gomes e Pedro Costa) conquistaram importantes distinções em festivais internacionais... Porque é que eles são menos importantes que as confusões do futsal?
3. A avalancha de notícias, directos e análises em torno da dança de treinadores de futebol atingiu uma dimensão que ultrapassa qualquer razoabilidade. Por um lado, não há nenhum motivo pertinente para transformar qualquer espirro de um treinador em pretexto de infinitos minutos de banalidades e redundâncias; por outro lado, apesar de tudo, está por provar que um treinador (seja ele qual for) mereça maior evidência noticiosa que um chefe de Estado — e a comparação, para nossa maior desgraça, não tem nada de metafórico.