Steven Spielberg |
Tubarão, de Steven Spielberg, o primeiro dos modernos blockbusters, completou 40 anos — este texto integrava um dossier sobre a efeméride, publicado no Diário de Notícias (21 Junho).
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A estreia portuguesa de Tubarão ocorreu em tempos conturbados, marcados pelas muitas maravilhas e misérias que todos protagonizámos ao longo da segunda metade da década de 70. Recordo apenas (com orgulho, confesso) que, ao manifestar publicamente o meu entusiasmo pelo filme de Steven Spielberg, isso me valeu a reprovação de algumas mentes iluminadas, preocupadas com o facto de eu estar a favorecer o “imperialismo americano”.
Belos tempos! Não conheço a evolução filosófica de tais vigilantes, embora pressinta a sua obstinação. Atrevo-me mesmo a pensar que a sua militância se prolonga em algumas comoventes crenças contemporâneas, incluindo essa que celebra o facto de Alexis Tsipras não usar gravata como um sinal incontestável da sua condição de novo Messias...
Que está em jogo, então? Uma poderosa ideologia anti-americana. A mesma, afinal, que alguns anos mais tarde, quando o mesmo Spielberg filmou A Lista de Schindler (1993), optou por um ensimesmado silêncio, eventualmente deixando escapar uma insinuação cobarde: afinal, como é que um dos pilares de Hollywood se “atrevia” a fazer um filme sobre o Holocausto?
O problema de fundo, entenda-se, não está nas diferentes visões do mundo que os filmes podem envolver ou suscitar. Está, isso sim, no facto de o cinema ser deitado fora com a água da ideologia... Afinal, Spielberg é um herdeiro directo da nobreza artística de Hollywood, distinguindo-se pela sofisticação com que sabe encenar as tensões do espaço e as ambiguidades do tempo. Quarenta anos depois, um plano subjectivo do seu tubarão envolve mais inteligência narrativa que as avalanches de “efeitos especiais” aplicadas para pôr Vingadores e afins a destruir planetas com um estalar de dedos... Pois é, ninguém é perfeito, a começar pelos americanos.