Não é a primeira vez que Martin Amis visita este universo. Fê-lo em inícios dos anos 90 em Time’s Arrow: or the Nature of Offence, romance no qual nos contava, com uma cronologia invertida, a vida de um médico alemão que esteve colocado em Auschwitz e, depois, em caminho para a América depois da guerra, passaria até por Portugal.
No mais recente A Zona de Interesse, que a Quetzal lançou durante a Feira do Livro, Martin Amis regressa não apenas ao Holocausto mas a Auschwitz, através de uma narrativa que decorre na essência num tempo que assiste já ao funcionamento de Birkenau como campo de extermínio mas precede os gaseamentos em massa de 1944.
Amis coloca-nos naquele tempo e naqueles lugares – não apenas Birkenau mas alguns outros espaços e campos adjacentes do grande complexo de Auschwitz – através de três personagens narradoras: um oficial das SS (que na verdade é sobrinho de Martin Borman), o comandante do campo e um sonderkommando que tem sobrevivido mais que o habitual. Estas três figuras conduzem-nos por um lado à construção de um retrato do quotidiano – os comboios, as seleções, as piras no prado –, permitem a caracterização de figuras moldadas por um contexto ou uma ideologia e conduzem-nos através de um plot amoroso que ligará o oficial Thomsen à mulher do comandante Doll, encomendando este último a morte dela ao sonderkommando Szmul.
Pelas entrelinhas de uma trama que deixa claros os dois planos de vida naqueles lugares e as abissais diferenças que separavam quem estava de cada lado dos perímetros de arame farpado, Amis faz evoluir a história daquele tempo. Entre diálogos e ecos de factos fala-se de Wansee, mergulhamos nas rotinas de alguns “blocos” do campo ou nas políticas de gestão da força “laboral” que ali vivia dias contados.
Se bem que diferente do magistral mergulho na alma (e nas recordações) de um oficial como o que Jonathan Litell nos deu no magistral As Benevolentes, A Zona de Interesse, tendo por fio de prumo uma trama que leva o amor a um lugar onde menos o esperamos encontrar (e com um epílogo que evita fios soltos), representa mais um poderoso retrato do quotidiano em Auschwitz e, sobretudo, dos que ali detinham o poder durante os dias da II Guerra Mundial.
Este texto foi originalmente publicado na Máquina de Escrever.