Através de Alto Bairro, Rui Simões faz o ponto da situação de um espaço de Lisboa que já comemorou 500 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Junho), com o título 'Retrato político de um bairro'.
De que falamos quando falamos do Bairro Alto? Quer queiramos, quer não, lidamos com um espaço de Lisboa recoberto pelo peso do pitoresco e de muitos clichés mais ou menos turísticos. Talvez por isso, Rui Simões começa o seu filme Alto Bairro com uma cena assumidamente ficcionada, a preto e branco, com Lia Gama a interpretar a “dama” que dirige um bordel. Podemos discutir a pertinência de tal opção no interior de um projecto que, para todos os efeitos, se afirma claramente no interior de um registo documental (motivado pelos 500 anos do bairro). Seja como for, sentimos um imenso contraste entre qualquer visão “romântica” do Bairro Alto e a observação do seu dia a dia (da sua “vida material”, como diria Marguerite Duras), num ziguezague que vai das euforias efémeras da noite à trágica degradação de muitas das suas casas.
Acima de tudo, Alto Bairro organiza-se como uma chamada de atenção política, no sentido mais genuíno que tal classificação pode envolver. Há nele uma urgência cinematográfica que, com mais ou menos felicidade, tenta conservar o imediatismo de uma reportagem televisiva. Face a uma paisagem urbana que não será salva por nenhuma exaltação mitológica, muito menos por qualquer paternalismo populista, trata-se de perguntar que projectos (não) existem para lidar com uma zona de Lisboa que, para todos os efeitos, é feita de gente viva. Nesta perspectiva, o breve mas conciso depoimento do cineasta José Fonseca e Costa fica como a cena humanamente mais forte do filme.