A degradação formal, o simplismo narrativo e a inanidade conceptual do cinema da Marvel atingiu o seu grau zero em Os Vingadores: A Era de Ultron — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 Abril).
Quando lançou o filme Cavalo de Guerra (2011), Steven Spielberg recebeu rasgados elogios pelo trabalho digital feito sobre as imagens do céu... De tal modo que se viu compelido a esclarecer que, de facto, não tinham sido usados efeitos especiais nessas imagens: a deslumbrante luminosidade era uma dádiva da natureza (tratada por esse admirável director de fotografia que é Janusz Kaminski).
O episódio encerra uma cruel lição pedagógica. Não tem nada a ver com a maior ou menor capacidade de cada espectador para decifrar o trabalho que uma imagem pode envolver. Tem a ver, isso sim, com o triunfo de uma agressiva indiferença em relação às formas de olhar, favorecendo uma adoração beata da tecnologia. E são filmes como Os Vingadores: A Era de Ultron, típicos da “ocupação” de Hollywood pelo marketing da Marvel, que estão a promover essa cegueira conceptual.
Ninguém pretende sugerir que seja possível compreender a complexidade histórica do cinema omitindo a sua dimensão técnica — afinal de contas, foi Georges Méliès, através dos seus geniais filmezinhos rodados há mais de cem anos, que “inventou” o conceito de efeito especial.
O que se discute é o progressivo esvaziamento destes filmes que já não são feitos por cineastas, mas gerados por departamentos de tecnocratas cuja formação artística ignora os valores mais nobres das imagens e dos sons. De tal modo que Os Vingadores: A Era de Ultron se dá ao luxo de conceber uma colecção de detalhados cenários virtuais, para depois os “mostrar” através de um estilo que mais parece resultar dos movimentos de alguém a correr, não com uma câmara, mas segurando um banal telemóvel. Na prática, gastam milhões para construir e destruir cidades, mas não conseguem gerar uma imagem que nos dê tempo para contemplar seja o que for.