“Edge of The Sun”
City Slang / Popstock
4 / 5
Tucson é uma relativamente discreta cidade no sul do Arizona, com o deserto em volta e a fronteira de Nogales não muito distante. É um lugar onde das paisagens nasce uma sensação de familiaridade com a desolação das histórias de pioneiros do velho oeste. Mas é também um lugar como tantos outros que, perto de fronteiras, são espaço onde as linhas que demarcam política e geograficamente os territórios são de uma nitidez que contrasta com a forma como as realidades culturais de ambos os lados acabam inevitavelmente por dialogar. É dali que nos chegam os Calexico, cuja obra – que está a caminho de soprar as vinte velas – traduz de facto as marcas de uma cultura raiana, brotando de uma alma americana, mas frequentemente exibindo ecos de uma assimilação de marcas da cultura mexicana com o sentido de verdade de quem sabe bem do que está a falar. Porque, afinal, mais que os russos que Sarah Palin achava que via da porta do seu quintal (no Alasca), a cultura mexicana habita toda aquela região.
Três anos depois de Algiers, álbum de estúdio nascido na região de New Orleans, eis que surge Edge of The Sun, álbum que em tudo se enquadra numa lógica de continuidade face à obra anterior do grupo e que, mais até que em muitos outros episódios seus, é um disco que convive profundamente com o México. Antes de essencialmente gravado, entre Los Angeles e Athens (da Georgia), o disco conheceu um período de busca de ideias e inspiração numa viagem de dez dias a Coyoacán, um bairro na cidade do México. Dali Joey Burns e John Covertino trouxeram ideias e imagens das quais emergiram depois as canções (e as histórias) que agora escutamos.
Edge of The Sun é um bom exemplo da maioridade de uma música que assenta raízes sobre o universo americana – e de toda uma melancolia que muitas vezes, como o vento, corre sobre estas referências – mas busca na expressão da cultura raiana não um sentido de exotismo geográfico, mas uma marca de uma genética real que serve as narrativas e garante uma luminosidade que varre o alinhamento. Há instantes onde a música que chega do México toma o protagonismo, mas há mais aqui que um diálogo de culturas e um jogo de cenários. Há uma assimilação de dados que correm em ambos os sentidos, que jogam em favor de canções que tanto assimilam essa ideia de diálogo de culturas como cruza paisagens instrumentais de tempos e origens diferentes. Um bom exemplo da identidade mestiça que aqui emerge escuta-se em Cumbia de Donde, onde a tradição não esconde a presença de discretas, mas importantes, electrónicas. Ou Miles From The Sea ou Tapping on The Line (aqui com a presença vocal de Neko Case) que sublinham quão central a este universo é toda a tradição americana.
Um dos mais belos álbuns dos Calexico, Edge of The Sun não parece preocupado em marcar uma agenda de novos caminhos ou aventuras. Aceita antes nas marcas de identidade, numa consciência do aqui e do agora, nos jogos de cruzamentos que noz fazem ser quem somos, os pontos de partida para mais uma exemplar coleção de canções que contam depois com o valor acrescentado das contribuições, não apenas de Neko Case, mas também de elementos dos Band of Horses e Iron & Wine. O disco tem o sabor de um filme, de tão visuais e pungentes que são as sugestões que fazem esta música. Continuam num bom caminho, portanto. Quantas bandas o conseguem fazer ao cabo de duas décadas de trabalho?
Este texto foi originalmente publicado na Máquina de Escrever