Grande acontecimento no panorama do cinema nas salas (mais tarde chegará ao DVD): dez filmes de Roberto Rossellini são repostos em cópias restauradas — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Março), com o título 'Para redescobrir a herança estética e a exigência ética de Rossellini'.
Alfred Hitchcock. David Lean. Ingmar Bergman. Yasujiro Ozu. Charlie Chaplin. Eis alguns autores clássicos que têm reaparecido nas salas de cinema (e também no mercado do DVD). Se é verdade que a cinefilia se enraíza num gosto obstinado pela preservação dos filmes e suas memórias, então podemos dizer que o mercado português, mesmo com as suas lacunas e desequilíbrios estratégicos, não se tem esquecido dos clássicos. E de um fundamental valor cultural e comercial: a possibilidade da sua redescoberta através de cópias restauradas para os novos formatos digitais.
Roberto Rossellini é mais um nome que podemos incluir nessa lista de ilustres mestres da sétima arte. Assim, estão a chegar às salas nada mais nada menos que dez títulos de Rossellini, cumprindo uma temporada de exibição (começa dia 26, em Lisboa; a partir de 9 de Abril, no Porto) que nos poderá permitir redescobrir a herança estética, e também a exigência ética, de um criador sem o qual nunca será possível compreender a eclosão da modernidade cinematográfica.
Em 1959, nos tempos heróicos da Nova Vaga francesa, Jean-Luc Godard publicou na revista Arts uma entrevista (imaginária) com Rossellini a que deu um título de poética contundência: “Um cineasta é também um missionário”. Tinha acabado de sair o filme Índia (na altura conhecido como Índia 58) e, numa apaixonada celebração da solidão criativa de Rossellini, escrevia o futuro autor de Pedro, o Louco: “(...) humildade e lógica eram os dois singulares valores que iluminavam esta viagem ao fim da noite cinematográfica, viagem que o conduziu ao berço da civilização indo-europeia”.