I. A primeira parte desta novela teve um episódio emblemático há cerca de dois anos e meio. Permito-me sugerir a respectiva evocação, recuando a um texto de 27 de Setembro de 2012: Passos Coelho = José Sócrates.
II. De que falo? De uma possível inocência de José Sócrates ou de uma possível candura de Passos Coelho? Nada disso: o que escrevi naquela altura, bem como o que agora escrevo, não decorre de nenhum juízo moral sobre as pessoas em causa. Aliás, faço questão em repetir que, mesmo que se venha a provar que ambos são responsáveis por crimes terríveis, nada disso rasura o que aqui se discute. Ou seja: a fulanização especulativa da vida política, para mais através da concordância tácita da própria classe política.
III. Este é o país em que os 5 mil euros que parecem manchar a biografia de Passos Coelho dão origem à balbúrdia que se sabe. Por mim, como cidadão eleitor, continuo à espera que os partidos políticos, de direita e esquerda, digam alguma palavra que envolva uma qualquer dúvida, mesmo discreta e pudica, sobre o facto de se ter gasto ligeiramente mais (645 milhões de euros) para fazer dez estádios de futebol para o Euro 2014 — enfim, só estou à espera há cerca de 15 anos... Mas espero também que quando algum político decidir pronunciar-se sobre o assunto não esqueça, já agora, a monstruosidade inútil em que se transformaram alguns desses estádios.
IV. Permito-me, por isso, recordar algumas palavras que aqui escrevi em 2012: A classe política portuguesa parece não compreender que este processo de degradação televisiva da imagem de Passos Coelho, tal como o de José Sócrates, atinge muito para além do partido ou partidos que estão no governo — a sua lógica bélica restringe, dia após dia, o espaço de manobra para o próprio trabalho político de todos.
V. Qual a relação entre esta maneira de (não) fazer política e as taxas de abstenção (elevadíssimas) dos eleitores portugueses? Eis uma questão que a classe política, na sua pusilanimidade global, nunca arriscou formular.