2015 |
O projecto dos estúdios Disney de refazer os clássicos de animação "encalhou" na nova Cinderela — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Março), com o título 'Estudando os clássicos'.
Os críticos não gostam de filmes de efeitos especiais... Eis um lugar-comum de agressiva ignorância. Para além de tratar os “críticos” como um rebanho de gente desmiolada, o seu uso tem-se reduzido a produções recentes, de preferência com super-heróis a destruir arranha-céus...
Assim se mascara o facto de o conceito de efeito especial ser tão antigo como o próprio cinema (vejam-se os filmes de Georges Méliès, realizados há mais de cem anos), estando muito longe de se restringir aos blockbusters da última década (quem reparou que um momento decisivo na evolução da tecnologia cinematográfica se chama Irmãos Inseparáveis, foi realizado por David Cronenberg em 1988 e encena Jeremy Irons a dialogar com... Jeremy Irons?).
1950 |
Vem isto a propósito da frustrante ostentação da nova Cinderela. O problema não é a utilização de efeitos especiais, mas sim a sua pacatez: a transformação da abóbora em carruagem dourada é de tal modo amadorística que não faz justiça ao tradicional rigor dos estúdios Disney. Mais do que isso: o filme confunde artifício e ruído com a subtileza de uma fábula, a ponto de reduzir a cruel madrasta a uma desastrada caricatura, para mais condenando uma actriz como Cate Blanchett a passar o filme a fazer caretas para grandes planos tão breves quanto banalmente instrumentais.
Maléfica, outra produção recente com chancela Disney, pode servir de contraponto: porque arriscava transfigurar a história original de forma feliz e contagiante, e também porque oferecia aos seus actores (a começar, claro, por Angelina Jolie) a possibilidade de existirem face à câmara. Além do mais, quando revemos a serena elegância narrativa do desenho animado Cinderela (foi em 1950!), não podemos deixar de reconhecer que vale mesmo a pena estudar os clássicos.