Na NBC, Brian Williams foi suspenso devido a declarações imprecisas sobre as condições em que efectuou um trabalho de reportagem. Ou como o jornalismo não pode (sobretudo, não deve) reduzir-se às odisseias dos próprios jornalistas — esta crónica de televisão foi publicada na revista "Notícias TV", do Diário de Notícias (20 Fevereiro).
A suspensão, por seis meses, do jornalista Brian Williams, da NBC, justifica alguma reflexão. Que aconteceu? Ao dar conta das condições em que realizou uma reportagem no Iraque, em 2003, a bordo de um helicóptero, terá descrito a situação de forma incorrecta, empolando o perigo a que foi exposto — a questão foi suscitada pelas diferentes versões do incidente que Williams foi contando ao longo dos anos [New York Times].
Peço ao leitor que não se precipite. Gostaria, em particular, que estas linhas não fossem encaradas como um apelo ao “julgamento” pontual de um profissional (da área jornalística, neste caso). Já basta o que basta. Nos últimos dias, tivemos um exemplo da histeria mediática que tais atitudes podem envolver com o grotesco “tribunal popular” montado em torno de Rui Patrício apenas porque o homem, coitado, sofreu um golo num daqueles momentos imponderáveis do futebol que, apesar do vício normativo de muitos comentadores, não obedecem a nenhuma forma de lei, muito menos de justiça...
Acontece que Williams, porventura num impulso de complacência narcisista, acabou apenas por ilustrar um discurso pueril em que, na ânsia de protagonismo, alguns jornalistas se colocam — ou colocam os seus colegas. Tal discurso tenta consagrar qualquer narrativa jornalística, não como o resultado da difícil arte de lidar com o real, antes como a ilustração “obrigatória” de uma saga em que o jornalista, em especial o repórter, só pode ser um herói exposto a condições extremas de risco.
Tal estereótipo, por vezes alimentado por uma demagogia interior ao dispositivo televisivo, só tem feito mal ao próprio jornalismo. Porquê? Porque apresenta o complexo labor de investigação como um western de série B, escamoteando que o jornalista sensato, ao observar a parcela do mundo que cabe no seu enquadramento, sabe que não está a ter acesso a nenhuma verdade divina. Até porque um jornalista no meio dos tiros não é, por si só, notícia — a notícia começa no reconhecimento de que alguém disparou.