Até que ponto o cinema (dito) dos efeitos especiais esqueceu a dimensão humana dos corpos, logo dos actores? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (17 Dezembro, com o título 'Que é feito dos actores?'.
Ao vermos O Hobbit: A Batalha dos Cinco Exércitos, reencontramos Cate Blanchett no papel de Lady Galadriel. Tendo em conta que ela aparece uns brevíssimos minutos, quase sempre vogando no espaço, com a voz refeita na pós-produção e, a certa altura, o rosto mais ou menos sujo e deformado, fica uma pergunta que, antes de ser cinéfila, é de mero bom senso: para quê convocar uma das mais geniais (e mais bem pagas) actrizes contemporâneas quando, na prática, se lhe pede apenas que sirva de paleta humana para o labor dos técnicos de efeitos visuais?
Acontece que, independentemente das qualidades das suas inspirações (literárias, banda desenhada, etc.), este modelo de cinema parece ter-se instalado na rotina de um preguiçoso jogo de vídeo. A sofisticação técnica que o sustenta serve apenas para multiplicar até ao delírio o número de figurinhas (humanas ou monstruosas) que enchem o ecrã, para mais apresentadas a uma “velocidade” que nos impede, literalmente, de contemplar o que quer que seja. Dir-se-ia que se trata menos de contar uma história e mais de criar uma acumulação de “clímaxes” que, afinal, ignoram a mais antiga lei dramatúrgica: não há intensidade emocional se não houver contraste, tensão e efectiva diferença entre os tempos da narrativa.
Uma vez mais, estas dúvidas justificam-se porque, apesar de tudo, neste terceiro capítulo de O Hobbit, Peter Jackson ter-se-á lembrado do seu próprio talento, aqui e ali empenhando-se numa genuína direcção de actores, com destaque para Martin Freeman (Bilbo), Evangeline Lilly (Tauriel) e, sobretudo, Richard Armitage (Thorin). É pena porque, a espaços, vamos pressentindo o que seria um genuíno épico, sobretudo um épico que dispensasse o primarismo narrativo e o exibicionismo tecnológico.