* Em tempos de tantos cinismos, há várias maneiras de passar ao lado deste disco. Por exemplo, considerando que, à semelhança de outros nomes clássicos, exteriores a qualquer linha pop/rock/punk & etc., Tony Bennett continua a sustentar muito da sua carreira através de duetos mais ou menos felizes, inaugurados com Duets: An American Classic (2006). Pode também dizer-se que, enredada na preocupação pueril de fazer "mais" Madonna que Madonna (para quê?...), Lady Gaga andava à procura de algum desvio criativo, capaz de recentrar a sua carreira. Enfim, acrescentar-se-á que, com as crises que assombram o comércio da música, vale a pena tentar o inusitado, nem que seja voltar a reunir uma colecção de standards do jazz... a ver se pega.
* Sejamos pragmáticos: de facto, tudo isso envolve alguma verdade. Cheek to Cheek nasce da ansiedade própria de um tempo em que todos os padrões culturais e comerciais (e como pensar uns sem os outros?) se apresentam debilitados face à erosão de uma audiência que já ninguém parece conhecer nem reconhecer — ou que muito poucos se empenham em estudar. Em termos práticos, rezam as crónicas que tudo começou em 2011, quando Bennett e a senhora que dá pelo nome de Stefani Germanotta se conheceram nos bastidores de uma gala da Robin Hood Foundation: ele convidou-a para um dueto e assim nasceu uma magnífica versão de The Lady Is a Tramp, incluindo no Duets II (2011), de Bennett. O resto... é história!
* O mérito dos dois felizes aliados decorre da mais básica humildade. Quando se revisitam temas como Anything Goes (Cole Porter), Sophisticated Lady (Duke Ellington) ou Let's Face the Music and Dance (Irving Berlin), importa saber resistir a qualquer ilusão de "modernização". Para quê? Para valorizar a emoção própria, irredutível, de cada intérprete. E se Bennett mantém a austera elegância que sempre lhe conferiu uma identidade muito própria (não a de um "segundo" Sinatra), Miss Germanotta expõe-se num misto de clareza e clarividência que, porventura injustamente, e apesar das suas raízes jazzísticas, talvez não esperássemos encontrar — um dos temas a solo, Lush Life (Billy Strayhorn), é mesmo das coisas mais intensas, paradoxalmente contidas, que ouvimos por estes dias. Bennett & Gaga são duas estrelas no pleno controle das suas (imensas) qualidades, e também do seu charme, esse produto de luxo, cada vez mais menosprezado pela velocidade dos tempos — as fotos do álbum, transfigurando nostalgia em ambíguo realismo, hélas!, são do grande Steven Klein.
>>> Eis três telediscos da colaboração Tony Bennett/Lady Gaga: primeiro, The Lady Is a Tramp, de Duets II; depois, Anything Goes e I Can't Give You Anything But Love, do novo álbum Cheek to Cheek.