Philippe Garrel continua fiel ao seu cinema obsessivamente fixado na intimidade: Ciúme é mais um notável exemplo do seu trabalho — este texto foi publicado no Diário de Notícias (2 Agosto), com o título 'todos os afectos'.
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O que é sublime em cena tão “inútil” (a acção não “avança”, dirá o senso comum) é que, através do seu carácter inconclusivo, Philippe Garrel coloca em cena três vectores fundamentais: a ordem social e a ordem familiar como entidades que vivem de ambíguas coincidências; o modo como os laços amorosos fazem nascer uma nova ordem; enfim, a ligação perversa, dir-se-ia incestuosa, entre desejo de ordem e possibilidade de ruptura.
Infelizmente, vivemos num tempo em que a linguagem dominante (leia-se: a telenovela) reduz estes pequenos terramotos familiares a dispositivos de banal determinismo moralista. Garrel é um cineasta que respeita a infinita complexidade dos impulsos afectivos — Ciúme é mesmo um filme de mestre, quer dizer, de alguém que não desistiu de olhar e sentir.