segunda-feira, agosto 25, 2014

Lucy, aliás, Scarlett Johansson (2/2)

Luc Besson continua a apostar em concretizar em França um cinema que concorra directamente com as matrizes espectaculares de Hollywood: Lucy, com Scarlett Johansson, é o produto mais recente de tal ambição — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Agosto), com o título 'Regresso ao futuro'.

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Em tempos recentes, muitos filmes têm aplicado dois “suplementos” tecnológicos — as imagens 3D e as salas IMAX — promovidos como um automático ganho espectacular. O certo é que a maioria desses filmes não possui o mais ténue conceito para sustentar a aplicação de tais recursos (recorde-se o aparatoso desastre do mais recente Godzilla), quase sempre esgotando-se em imagens mais ou menos “estonteantes”, dir-se-ia registadas por um telemóvel à deriva, e num aumento agressivo das intensidades sonoras.
Lucy, de Luc Besson, começa por ter o mérito de saber rentabilizar os recursos que aplica. O 3D nem sequer é utilizado mas, por uma vez, a grandeza física do IMAX faz todo o sentido: há nas imagens de Lucy um delirante hiper-realismo em que a intensidade maníaca do detalhe não é estranha à dimensão física em que podemos descobrir as imagens.
Estamos perante uma produção europeia de invulgar complexidade técnica que, além do mais, relembra aos mais distraídos que a evolução industrial do cinema está longe de ser um fenómeno exclusivamente made in USA. Por um feliz paradoxo, na sua singeleza filosófica, Lucy possui também as virtudes da mais primitiva “série B”. A saber: convocar referências e utopias da contemporaneidade para construir um espectáculo de celebração do próprio artifício cinematográfico.
Em 1957, em The Incredible Shrinking Man, Jack Arnold filmava um homem que, depois de atingido por radiações atómicas, ia vendo o seu corpo diminuir até dimensões microscópicas — era um espelho perturbante dos medos da época. Em Lucy, Scarlett Johansson surge como cobaia involuntária de uma droga que vai transformar o seu cérebro no mais poderoso dos computadores — é uma boa e estranha metáfora das encruzilhadas que o futuro já inscreveu no nosso presente.