quarta-feira, julho 30, 2014

Novas edições:
Beck

“Song Reader”
Universal
2 / 5

Antes do gramofone de Berliner e do cilindro de Edison, a música que se ouvia em casa fazia-se “ao vivo”. O que não quer dizer que em cada lar houvesse um compositor... Desde o advento da imprensa a ideia de produzir partituras em grande escala entrara nos hábitos do consumo da música. No século XVIII surgiram as primeiras sociedades de autores. E na segunda metade do século XIX novos consumos musicais ganharam voz com a criação de um mercado de partituras de canções. Muitas delas iam nascendo em espetáculos de teatro musical e, através das partituras impressas, começaram a chegar aos lares, ali cada qual tocando-as (habitualmente ao piano), ao mais vocalmente dotado elemento da família ou grupo de amigos cabendo o papel do vocalista. E assim a cultura pop(ular) encontrou na canção um mercado, nascendo desde logo os primeiros grandes êxitos: aqueles dos quais se vendiam mais partituras. Foi ao pretender evocar estes tempos, numa altura em que a canção era partilhada, mas vendida sem som e, por isso, conhecida por cada qual da forma como a escutara em casa ou entre amigos, que Beck criou em finais de 2012 um álbum no qual as novas canções não eram apresentadas já gravadas, mas numa partitura impressa. Quem o entendesse (e soubesse fazer) podia comprar, ler, tocar e cantar...

Convém enquadrar a coisa no tempo. Beck tinha editado Modern Guilt em 2008 e, depois, dele não ouvimos mais que uma série de singles avulso, participações em bandas ou algumas colaborações, como a produção de música para Charlotte Gainsbourg ou a curadoria de um tributo a Philip Glass (onde ele mesmo assinou um dos temas). Neste intervalo de seis anos (cujo silêncio em formato de álbum terminou com o recente lançamento de Morning Phase, já este ano), Beck criou ainda o Record Club, um espaço de encontro de amigos no seu estúdio caseiro na Califórnia onde, em sessões sempre arrumadas ao longo de um dia, criou versões de álbuns de nomes como os de Leonard Cohen, Velvet Underground ou INXS, disponibilizando as gravações de forma gratuita no seu site. Não era má ideia a sua edição em disco.

Depois do lançamento do Song Reader em papel surgiram na Internet, sobretudo entre o YouTube e Soundcloud, inúmeras gravações das novas canções dando conta, aos que não sabem ler música nem tocam uma nota, de como soaria este disco de Beck. Agora chega uma nova etapa na vida do Song Reader, que ganha uma materialização física mais “convencional”, se bem que seguindo a mesma lógica operada nos concertos que, desde 2013, têm dado corpo a estas canções: apresentando-as entre convidados.

É entre nomes como os de Jarvis Cocker, Jack White, Sparks ou Laura Manning, entre outros, que estas mesmas composições ganham novas leituras. Mas, e sobretudo depois de conhecer as leituras por vários anónimos que estão disponíveis na Internet, a versão em disco do Song Reader parece um daqueles tributos desinspirados e inconsequentes. Tirando as abordagens fabulosas de uns Sparks ou Eleanor Friedberger e o momento em que o próprio Beck nos sugere, com um dos temas, ao que tudo isto poderia soar, o Song Reader é um desfile de boas composições mal entregues a quem lhes dá voz. Tweedy, Jack White e Jarvis Cocker não envergonham, mas não brilham. Marc Ribot e Gabriel Kahane & Ymusic procuram ecos da época que o modelo de edição em partitura evoca. Mas há momentos abaixo dos mínimos olímpicos. E uma sensação de oportunidade perdida no fim...

Como soaria tudo isto na voz (e arranjos) de Beck? Essa é a grande questão e esse o (grande) disco a fazer numa eventual terceira vida do Song Reader. Estas canções, que transportam ecos de vivências musicais americanas anteriores à alvorada da cultura rock, pedem a pés juntos que a voz de Beck lhes dê a glória que, na partitura, está latente. E basta ouvir a sua abordagem a Heaven’s Ladder para o sentir. Um dos melhores cantautores do nosso tempo merecia melhor sorte para um projeto potencialmente capaz de muito melhor mas que, pelo que este disco mostra, não brilha deste modo.