Há uma nova geração de compositores a nascer numa era sem barreiras. É um pouco como os filhos da Alemanha pós-1989, que não conheceram o muro que durante anos tinha dividido não apenas Berlim mas toda a Europa. São compositores que vivem para lá das fronteiras de género, o seu trabalho refletindo visões de horizontes largos e uma capacidade em trabalhar em várias frentes. Se em tempos causava sensação (ou mesmo surpresa) a ligação de um Pierre Boulez a Frank Zappa ou de Philip Glass a Suzanne Vega ou David Byrne, hoje a ideia de vermos um Nico Muhly a assinar trabalhos com os Grizzly Bear ou Herbert a criar um disco inspirado em Mahler causará tudo menos estranheza. Sinais dos tempos, a editora Deutsche Grammophon (que de facto tem estado atenta aos rumos dos acontecimentos) tem alargado o seu catálogo e hoje junta a grandes maestros, instrumentistas e cantores, figuras que, com carreira já reconhecida (e bem visível) em terreno pop/rock, ali apresentam agora obras criadas nos espaços da música clássica.
Há poucas semanas a editora juntava num mesmo disco uma série de obras orquestrais de Bryce Dessner e Johhny Greenwood, o primeiro com nome feito nos The National, o segundo nos Radiohead. Agora é a vez de ali se estrear, como compositor, o canadiano Richard Reed Parry, que ainda há poucas semanas vimos atuar no Palco Mundo do Rock in Rio, com os Arcade Fire, banda que integra desde as sessões de gravação do seu primeiro EP, em 2003. O músico, que já tinha obra em paralelo aos Arcade Fire – ora na Bell Orchestre ou em pontuais colaborações – não tem aqui a sua primeira edição em terreno “clássico”. A estreia aí coube a um álbum de 2011 da orquestra canadiana Kitchener-Waterloo Symphony, no qual surgiam também obras de Nico Muhly ou Johnny Greenwood. E o seu currículo junta ainda, por exemplo, uma encomenda do Kronos Quartet.
Music For Heart and Breath, o álbum que assinala a sua primeira colaboração como compositor com a Deutsche Grammophon, é de certa forma uma extensão natural dessas experiências anteriores. Inspirado quer pelas ideias de um Brian Eno ou um John Cage quer pelo trabalho dos minimalistas (das reflexões sobre a repetição herdadas de um Steve Reich aos sinais de libertação sugeridos por um John Adams), o disco reflete, além da personalidade do trabalho de composição, uma ideia concetual que, afinal, define a materialização desta música: é a pulsação, o respirar, o batimento (cardíaco) dos músicos (que usam um estetoscópio para se guiarem) quem define os tempos, transcendendo a música certas regras centenárias, aproximando-a assim das verdades materiais dos corpos daqueles que os levam das páginas escritas ao som que escutamos. A ideia do tempo que rege o ensemble cede aqui à soma dos tempos de cada um dos seus elementos. O conceder dessas liberdades aos músicos é assim ponto de partida para o pequeno ensemble que aqui se reúne e que junta nomes como Nico Muhly (maestro, celesta e piano) ou os irmãos Dessner (guitarras). Entre peças maiores e pequenas vinhetas, navegando sobretudo nos terrenos da música de câmara, Richard Reed Parry soma ideias e experiências, cruza heranças e junta uma peça importante na definição da música (em construção) de um século que nasceu sem as barreiras de outros tempos. O compositor procura aqui o que aponta como o "oposto" de alguma música eletroacústica que em tempos estudou e que, confessa, não o fazia sentir nada. É uma música íntima e calma, distante do fulgor que respiramos nos Arcade Fire. Uma estreia que ajuda a mostrar (uma vez mais) que há coisas bem interessantes a acontecer no panorama atual da música clássica.
Podem ver aqui um vídeo promocional que apresenta o álbum, com declarações do compositor e imagens captadas durante as gravações.