1. Um dos efeitos mais insólitos que tende a acompanhar os grandes eventos mediáticos é a homogeneização das notícias de modo a produzir uma ambiência formatada. Assim, por exemplo, o Mundial de Futebol no Brasil (começa dia 12).
2. Não está em causa que, por certo, poderemos assistir às mais diversas manifestações de excelência futebolística. Nem se trata, como é óbvio, de julgar quem quer que seja por alimentar expectativas em relação a tal possibilidade (aliás, incluo-me nos espectadores ansiosos por assistir a muitos dos jogos).
3. Está em causa, isso sim, o facto, de um evento desta natureza produzir, na maior parte das frentes mediáticas — a começar pelo espaço televisivo —, uma espécie de normalização (des)informativa em que tudo se confunde com a celebração obrigatória de uma festa abstracta, totalmente antecipada, tanto nos factos como nas significações.
4. Lendo uma recente sondagem do Pew Research Center, organização independente sediada em Washington, ficamos a saber que, para 61% de cidadãos brasileiros, o Mundial é "uma coisa má porque tira dinheiro que seria para os serviços públicos" (34% consideram que é "uma coisa boa porque cria empregos"). Ao mesmo tempo, um sentimento de "insatisfação" com o estado actual do país é partilhado por 72% das pessoas (com 26% a mostrarem-se "satisfeitas") — são dados publicados com a data de 3 de Junho.
5. Podemos (e devemos) encarar tais dados em todo o seu relativismo — não se trata de conferir qualquer papel ditatorial aos números (como tantas vezes se tenta fazer com as audiências televisivas). Podemos até admitir que o negativismo destas perspectivas será atenuado, de forma mais ou menos sensível, pelo próprio decorrer da competição. Dito de outro modo: não se trata de lidar com as sondagens como se fossem uma voz divina que desaconselha qualquer dialéctica de pensamento. Trata-se, isso sim, de lembrar que o pitoresco das claques ou o dramatismo das lesões não esgotam o que está a acontecer — dados como estes fazem também parte da actualidade, merecendo alguma atenção jornalística e, se não for pedir muito, um pequeno esforço de reflexão.