terça-feira, junho 03, 2014

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Peter Murphy, Lion

Peter Murphy
"Lion"
Netwerk Music Group
3 / 5

Como sucede com tantos outros músicos, Peter Murphy não gosta muito de viver sob o peso de um rótulo. Mas a verdade é que, desde que em 1979 se apresentou ao som de Bela Lugosi's Dead, o single de estreia dos Bauhaus, a palavra “gótico” paira sobre si como um morcego que não quer abandonar a sua gruta. Verdade seja dita, houve nos Bauhaus mais que uma mera expressão da negritude lúgubre que desde então serve de lugar comum a tudo o que se diz ser “gótico”. Houve uma abordagem minimalista a uma composição herdeira sobretudo de uma admiração por heróis do glam rock, um saber no pensar da angulosidade das formas, o som único da guitarra de Daniel Ash (do qual beneficiaram depois os Love & Rockets) e uma voz tensa e intensa, que era a cereja sobre o bolo. Com uma obra notável, separaram-se em 1983 (reunindo mais tarde, infelizmente tendo decidido gravar um dispensável novo disco de inéditos em estúdio), tendo os músicos seguido caminhos diferentes, Daniel Ash, David J e Kevin Haskins nos Love & Rockets, Peter Murphy primeiro com o ex-Japan nos Dali's Car, logo depois a solo... E é entre as memórias de alguns dos seus primeiros discos em nome próprio – nomeadamente o trio de referência que surgiu entre Love Hysteria (1988), Deep (1990) e Holy Smoke (1992) – que encontramos os ecos que ressoam no monumento épico que apresenta agora em Lion, talvez o seu melhor álbum desde então (não o melhor disco, estatuto que cabe ao EP Recall, de 1997. O disco surgiu de uma série de sessões com o ex-Killing Joke Youth e, tal como nos tempos em que cantava Dragnet Drag ou Socrates & The Python, vive de um diálogo entre a guturalidade de guitarras intensas e a cenografia de ambições sinfonistas que as eletrónicas ajudam a desenhar. Hang Up, que servira de cartão de visita na forma de single, ostentava sinais de heranças das memórias mais “cavernosas” dos primeiros tempos dos Bauhaus. I Am My Own Name, que se segue no alinhamento, é mais inconsequente expressão de um tom épico em registo pesos-pesados que lembra quão desapontante foi a recente atuação do músico entre nós (na digressão através da qual revisitava canções dos Bauhaus). Mas o alinhamento ganha depois forma. Sobretudo a partir de I'm On Your Side, o primeiro de uma série de temas que vincam uma vontade de reencontrar o clima que a música de Peter Murphy seguia entre finais dos oitentas e inícios dos noventas (quando, convenhamos, nos visitou para vários concertos memoráveis e nos deu alguns belos discos). A sua voz procura notas mais agudas, acentuando o tom dramático que domina o álbum. Lion não parece preocupado em seguir rumos da música do presente e só ocasionalmente aceita os temperos “orientais” que as canções de Murphy por vezes têm visitado desde que encontrou casa na Turquia. É um disco Peter Murphy vintage. Mas mesmo não repetindo o que nos deu nos oitentas e noventas, revela os seus melhores esforços desde então, mostrando em baladas grandiosas como The Rose ou Loctaine descendentes diretas do que de melhor nos deu em discos a solo.