No dia dos 70 anos de Chico Buarque como evocar uma figura tão marcante na história da canção em língua portuguesa? Lembrei-me de Tanto Mar, a memória mais remota que tenho da sua voz, canção que recordo dos tempos em que, na rádio de então, se escutava como novidade e, claro, marca vincada de um tempo político que aqui conheceu um hino.
Portugal já tinha passado pela música de Chico Buarque. E basta recordarmos o seu Fado Tropical para ativar essa memória (numa canção que recuava nos tempos, aos dias da colonização). A revolução em 74 fez de Portugal um tema inevitável entre conversas nos meios intelectuais e artísticos do Brasil. E uma das mais vivas expressões do impacte do que aqui sucedia num Brasil ainda sob a ditadura ganhou forma nesta canção de 1975 que Chico Buarque escreveu claramente expressando uma reação pessoal ao que aqui acontecera.
O músico apresenta-a numa sucessão de espetáculos que então dava no Canecão, juntamente com Maria Bethânia. Era essencialmente apresentada na sua versão instrumental, já que a censura vetara a letra. Mas Chico canta-a no último concerto. O disco ao vivo que sai pouco depois, documentando esses concertos, traz o instrumental, sendo exclusivo para Portugal o lançamento da versão cantada. Em 1978 a proibição é levantada. Mas com o momento político diferente que Portugal vivia o músico apresenta Tanto Mar com uma nova letra. Falando agora do que acontecera, do que se transformara e de uma esperança para o futuro.
Tanto Mar não só é uma das mais espantosas canções de Chico Buarque como é um belíssimo exemplo de como uma criação musical é um corpo vivo que pode nascer, crescer e transformar-se. Como acontece com qualquer um de nós.
Podem recordar aqui a canção na sua versão de 1975.
E aqui, na versão de 1978.
PS. Para quem quer informação concreta do momento posso acrescentar que o músico está neste momento em Paris a terminar um novo livro, que o iTunes acaba de disponibilizar parte significativa da sua obra para download e que a caminho estão filmes baseados em livros seus assim como um documentário rodado durante a sua digressão de 2011.