Com o filme A Vida Invisível, 27 anos depois de Uma Rapariga no Verão, Vítor Gonçalves coloca em cena o drama íntimo do “homem português”: como encontrar o seu lugar no interior de um espaço que o devora? — este texto foi publicado no suplemento 'Qi', do Diário de Notícias (7 Junho), com o título 'Entre um Verão e outro Verão'.
[ 1 ]
Tudo isto é visceralmente português, entenda-se. Na sua serena abstracção, A Vida Invisível é também o mais concreto dos filmes, envolvendo-nos num reconhecimento do nosso aqui e agora de que os planos do Terreiro do Paço em obras constituem apenas a pontuação mais nítida. Hugo é o protótipo do “homem português” e da sua contradição mais funda, cruelmente relançada pelo inexorável do tempo: enraizado num espaço que o devora, está sempre em fuga para um lugar outro que se desvanece na imprecisão dos seus gestos.
Pressentindo na doença de António a proximidade da morte, Hugo não sabe o que fazer com o relatório que ele lhe pediu e formula mesmo a mais infantil das hipóteses: se não concluir o relatório, talvez António não morra... Talvez se produzam outras causalidades, talvez o mundo se reorganize a partir das suas frágeis imagens em Super 8, talvez algo ou alguém suspenda o ciclo de vidas e mortes, aquietando a vida na invisibilidade perfeita.
Na época do “tudo é visível”, de que a reality TV é o código mais desumano e vergonhoso, eis-nos confrontados com um filme de contida beleza, em paz com o invisível. Trata-se de redescobrir a nitidez possível das imagens, essa sua verdade primordial, não de “reprodução” do real, mas de resgate moral e superação da indiferença dos olhares. Outro Verão nos ensinará o desejo de mais imagens.