Com o filme A Vida Invisível, 27 anos depois de Uma Rapariga no Verão, Vítor Gonçalves coloca em cena o drama íntimo do “homem português”: como encontrar o seu lugar no interior de um espaço que o devora? — este texto foi publicado no suplemento 'Qi', do Diário de Notícias (7 Junho), com o título 'Entre um Verão e outro Verão'.
Estranho assombramento, este que nos enreda nas malhas da cronologia, obrigando-nos a dizer que o primeiro e o segundo filme de Vítor Gonçalves estão separados por 27 anos. Mais do que isso, impelindo-nos para essa pergunta dramática (cronológica, precisamente) que associamos a uma maldição interior do cinema português: por que foi preciso esperar tanto tempo entre Uma Rapariga no Verão e A Vida Invisível?
Valerá a pena reagir ao negrume que pressentimos. Como? Dizendo que, entre as ilusões juvenis de um Verão distante e os ruidosos silêncios da Lisboa do nosso século XXI, aquilo que persiste é, justamente, a insensatez de não aceitar o tempo na sua consagrada linearidade. Vítor Gonçalves é o cineasta do tempo que acontece à margem do tempo: em Uma Rapariga no Verão, dir-se-ia que o futuro, por definição antes de acontecer, já estava contaminado pelo fechamento do passado; agora, em A Vida Invisível, o presente cavalga para um futuro cuja incerteza se aconchega no ventre do passado.
É uma metáfora existencial, sem dúvida. Mas só o é porque existe enquanto dispositivo cinematográfico. Observem-se as imagens dos filmes Super 8 que Hugo (Filipe Duarte) recebe como uma herança indecifrável do seu superior hierárquico, António (João Perry). Que história se conta em tais imagens? Pois bem, como o próprio Hugo irá descobrir, tão só a sua própria história — estamos condenados a revermo-nos nas imagens dos outros. Ou ainda: não há maneira de colocarmos a nossa história pessoal fora das narrativas dos outros.
Não é uma forma de vaidade, mas uma falha anterior a qualquer excesso narcisista: Hugo não é uma personagem que se destaque de um qualquer cenário de fundo, antes alguém que tende a diluir-se na arquitectura desse cenário, a ponto de sentirmos que as roupas que veste emergem como uma variação cromática do espaço que o acolhe e, no limite, anula.
[continua]