domingo, maio 04, 2014

Cinema independente & clássico

De onde vem um filme como Prince Avalanche? De uma zona independente americana que sabe não esquecer os clássicos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (29 Abril), com o título 'Entre a comédia e o drama'.

Quando procuramos informações sobre Prince Avalanche em sites de origem americana, a maior parte deles identifica o filme de David Gordon Green através de uma tradicional e sugestiva expressão: “comedy-drama”. Para além das condições específicas de produção (com um orçamento minimalista, inferior a um milhão de dólares), estará nesse balanço — entre a comédia e o drama — o sinal mais eloquente da sua condição de típico objecto do cinema independente dos EUA.
JOHN FORD
1895-1973
Na verdade, a reacção da produção independente à formatação de alguma produção dos grandes estúdios (de que o “blockbuster” se tornou o símbolo comercialmente mais poderoso) passa, frequentes vezes, por este gosto de superar e baralhar as fronteiras tradicionais dos modelos mais arreigados no imaginário made in Hollywood. No limite, podemos mesmo dizer que a história dos dois homens que pintam as marcações das estradas florestais convoca um dos valores mais primitivos do western — a comunhão com a mãe Natureza — para, a pouco e pouco, desmontar os seus equívocos e ilusões.
Nesta perspectiva, David Gordon Green poderá ser definido, com inevitável ironia e a necessária distanciação, como um discípulo “bastardo” de um autor clássico como John Ford. Por um lado, tal como o mestre, ele conserva um misto de fascínio e ansiedade perante uma Natureza que talvez ainda conserve alguma hipótese de redenção; por outro lado, face aos sinais (muito humanos!...) da degradação da paisagem, tal hipótese desvaneceu-se, transformando as personagens em marionetas paradoxais do mais puro absurdo social. Paul Rudd e Emile Hirsch são, aliás, exemplares na representação dessa deriva existencial — heróis de coisa nenhuma, deambulam por uma terra que já não evoca a utopia que a habitou.