A 16 de maio de 1929 os 270 que se sentaram nas cadeiras de um salão do Hollywood Roosevelt Hotel, em Los Angeles, ouviram em primeira mão a atribuição do primeiro prémio para Melhor Filme (Outstanding Picture era a designação adotada, numa altura em que ainda não se falava de Óscares) a Asas, no original Wings, de William A. Wellman (1896-1975). Épico de aviação com a I Guerra Mundial como cenário, o filme sairia da cerimónia com dois prémios (correspondendo às suas duas nomeações), juntando à distinção como Melhor Filme uma outra, pelos efeitos visuais (Best Engineered Efects, como então se dizia). Apresentada por Douglas Fairbanks, que na altura era o presidente da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences, essa primeira cerimónia de entrega de prémios celebrava filmes estreados entre 1927 e 28, entre eles contando-se o belíssimo Aurora, de F.M. Murnau (que venceu Melhor Produção Artística, Melhor Fotografia e Melhor Atriz, pelo trabalho de Janet Gaynor) e o histórico O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, no original), o primeiro filme sonoro síncrono (que não venceu todavia a categoria de Melhor Argumento Adaptado, a única para a qual estava nomeado).
Ao chamar a si o primeiro Óscar de Melhor Filme (na verdade só um ano depois ficou claro que essa tinha sido a mais importante distinção da noite), Asas ganhou um lugar na história do cinema. Será contudo injusto reduzir o filme aos feitos de um palmarés, representando este esforço colossal de Wellman uma das primeiras abordagens do cinema de ficção às memórias (ainda recentes) da I Guerra Mundial (1914-1918), assim como traduziu uma aposta na exploração do universo da aviação que antecipou o clássico Os Anjos do Inferno (Hell's Angels no original), que Howard Hughes realizaria em 1930.
Antes de fazer cinema, William A. Wellman tinha tentado vários caminhos em busca de um rumo para a sua vida. Tentou vender doces, mas não conseguiu vender nenhum. O mesmo aconteceu quando tentou ser vendedor de algodão ou lãs. Teve mais sucesso no negócio das madeiras até ao dia em que se despistou com um camião e entrou por um celeiro dentro. A salvação chegou dos céus, os aviões chamando a sua atenção, levando-o aos campos de combate na Europa, durante a I Guerra Mundial. E do desemprego que se seguiu surgiu um caminho rumo ao cinema, primeiro como ator, depois atrás das câmaras, mal imaginando certamente que, poucos anos depois, estaria a juntar, num mesmo filme, as experiências como aviador e de combate na Grande Guerra.
Apesar de ter como evidentes protagonistas as várias cenas de combate aéreo, Asas desenvolve uma narrativa linear e cronologicamente ordenada, que começa por nos apresentar os protagonistas Jack Powell e David Armstrong (respetivamente interpretados por Charles 'Buddy' Rogers e Richard Arlen) e Mary Preston (uma criação da então grande estrela Clara Bow, cujo papel teve de ser reescrito para acomodar melhor a dimensão da sua fama na época). Vivem numa pequena cidade americana, a jovem Mary nutrindo sentimentos especiais por David, sem que este o saiba. O treino de combate faz dos dois homens (a principio evidentes rivais) os dois maiores amigos. Mary chega a juntar-se a eles em Paris, integrada num corpo militar, mas o encontro acontece em noite de festa e o álcool impede-os de a reconhecer. A ação cruza momentos de batalha e atinge o seu pico emocional numa sequência em que, após a batalha de Saint-Mihiel (em França), na qual é dado como morto, David cai para lá das linhas inimigas, usa um avião alemão para escapar, mas acaba abatido pelo melhor amigo sem que este o imaginasse, soltando pouco depois o último suspiro nos seus braços.
O conhecimento de Wellman sobre aviões e a sua experiência de combate na Europa conferiram a Asas características de grande realismo. Numa entrevista de 1978, na qual recorda a criação do filme, citada no booklet da nova edição em Blu-ray e DVD, o próprio Wellman confessa contudo que não se lembra de muito do que fora a rodagem, apenas que o fizera com uma câmara manual nas sequências de combates aéreos, e sem zooms. E que ele mesmo fez um trabalho como aviador, pilotando um dos aviões alemães numa sequência do filme.
A lenda de Asas, “devidamente bem contada, precisaria de umas mil páginas cuidadosas e bem escritas” recorda o realizador em A Short Time For Insanity, uma autobiografia publicada em 1974. E para quê? “Para contar tudo o que acontece quando uma companhia de mais de duzentas pessoas é levada para lá das suas casas e famílias e deixada num lugar estranho”, explica. E conclui: “É difícil para a companhia e para o lugar”. Wellman lembra nessas mesmas páginas que tinha então à sua disposição todos os aviões de Brooks Field e de outros campos de aviação cujos nomes nem se lembrava já, assim como podia escolher quem entendesse entre o seu pessoal. Nesse livro recorda que a dada altura chegou a ensaiar “com 3500 pessoas do exército e 65 pilotos durante dez dias” e que a única coisa que não podia controlar era a meteorologia. O filme foi rodado em San Antonio, no Texas, numa zona despovoada onde foram construídos os cenários necessários para algumas das sequências de guerra e sobre os quais evoluíram os aviões nas cenas de combate aéreo. O processo foi longo (cerca de um ano) e caro. “Ficámos no Saint Antony Hotel durante nove meses. Eu sei que foi esse o tempo porque as empregadas dos elevadores eram mulheres e todas elas ficaram grávidas”, recorda Wellman no mesmo volume.
Mas nem só dos feitos aéreos ou da representação de cenas de guerra entre o ar e as trincheiras vive o legado de Asas. O filme foi uma das primeiras longas metragens de grande distribuição a exibir cenas de nudez e foi o primeiro no qual o cinema mostrou um beijo entre dois homens (na verdade um beijo fraternal entre os protagonistas no leito de morte de David).
Ao chamar a si o primeiro Óscar de Melhor Filme (na verdade só um ano depois ficou claro que essa tinha sido a mais importante distinção da noite), Asas ganhou um lugar na história do cinema. Será contudo injusto reduzir o filme aos feitos de um palmarés, representando este esforço colossal de Wellman uma das primeiras abordagens do cinema de ficção às memórias (ainda recentes) da I Guerra Mundial (1914-1918), assim como traduziu uma aposta na exploração do universo da aviação que antecipou o clássico Os Anjos do Inferno (Hell's Angels no original), que Howard Hughes realizaria em 1930.
Antes de fazer cinema, William A. Wellman tinha tentado vários caminhos em busca de um rumo para a sua vida. Tentou vender doces, mas não conseguiu vender nenhum. O mesmo aconteceu quando tentou ser vendedor de algodão ou lãs. Teve mais sucesso no negócio das madeiras até ao dia em que se despistou com um camião e entrou por um celeiro dentro. A salvação chegou dos céus, os aviões chamando a sua atenção, levando-o aos campos de combate na Europa, durante a I Guerra Mundial. E do desemprego que se seguiu surgiu um caminho rumo ao cinema, primeiro como ator, depois atrás das câmaras, mal imaginando certamente que, poucos anos depois, estaria a juntar, num mesmo filme, as experiências como aviador e de combate na Grande Guerra.
Apesar de ter como evidentes protagonistas as várias cenas de combate aéreo, Asas desenvolve uma narrativa linear e cronologicamente ordenada, que começa por nos apresentar os protagonistas Jack Powell e David Armstrong (respetivamente interpretados por Charles 'Buddy' Rogers e Richard Arlen) e Mary Preston (uma criação da então grande estrela Clara Bow, cujo papel teve de ser reescrito para acomodar melhor a dimensão da sua fama na época). Vivem numa pequena cidade americana, a jovem Mary nutrindo sentimentos especiais por David, sem que este o saiba. O treino de combate faz dos dois homens (a principio evidentes rivais) os dois maiores amigos. Mary chega a juntar-se a eles em Paris, integrada num corpo militar, mas o encontro acontece em noite de festa e o álcool impede-os de a reconhecer. A ação cruza momentos de batalha e atinge o seu pico emocional numa sequência em que, após a batalha de Saint-Mihiel (em França), na qual é dado como morto, David cai para lá das linhas inimigas, usa um avião alemão para escapar, mas acaba abatido pelo melhor amigo sem que este o imaginasse, soltando pouco depois o último suspiro nos seus braços.
O conhecimento de Wellman sobre aviões e a sua experiência de combate na Europa conferiram a Asas características de grande realismo. Numa entrevista de 1978, na qual recorda a criação do filme, citada no booklet da nova edição em Blu-ray e DVD, o próprio Wellman confessa contudo que não se lembra de muito do que fora a rodagem, apenas que o fizera com uma câmara manual nas sequências de combates aéreos, e sem zooms. E que ele mesmo fez um trabalho como aviador, pilotando um dos aviões alemães numa sequência do filme.
A lenda de Asas, “devidamente bem contada, precisaria de umas mil páginas cuidadosas e bem escritas” recorda o realizador em A Short Time For Insanity, uma autobiografia publicada em 1974. E para quê? “Para contar tudo o que acontece quando uma companhia de mais de duzentas pessoas é levada para lá das suas casas e famílias e deixada num lugar estranho”, explica. E conclui: “É difícil para a companhia e para o lugar”. Wellman lembra nessas mesmas páginas que tinha então à sua disposição todos os aviões de Brooks Field e de outros campos de aviação cujos nomes nem se lembrava já, assim como podia escolher quem entendesse entre o seu pessoal. Nesse livro recorda que a dada altura chegou a ensaiar “com 3500 pessoas do exército e 65 pilotos durante dez dias” e que a única coisa que não podia controlar era a meteorologia. O filme foi rodado em San Antonio, no Texas, numa zona despovoada onde foram construídos os cenários necessários para algumas das sequências de guerra e sobre os quais evoluíram os aviões nas cenas de combate aéreo. O processo foi longo (cerca de um ano) e caro. “Ficámos no Saint Antony Hotel durante nove meses. Eu sei que foi esse o tempo porque as empregadas dos elevadores eram mulheres e todas elas ficaram grávidas”, recorda Wellman no mesmo volume.
Mas nem só dos feitos aéreos ou da representação de cenas de guerra entre o ar e as trincheiras vive o legado de Asas. O filme foi uma das primeiras longas metragens de grande distribuição a exibir cenas de nudez e foi o primeiro no qual o cinema mostrou um beijo entre dois homens (na verdade um beijo fraternal entre os protagonistas no leito de morte de David).
Asas foi um êxito de bilheteira logo após a sua estreia em agosto de 1927 e captou o entusiasmo pelos aviões que se seguiu à travessia do Atlântico por Charles Lindbergh em maio desse mesmo ano. “Depois de se ter transformado num êxito pediram-me para fazer outro filme e eu disse OK”, descreve Wellman na sua autobiografia. E de facto estreou The Legion of the Condemned, em 1928. Pouco Howard Hughes abordou-o para que ele mesmo fizesse o filme que em 1930 nasceria com o título Hell's Angels. “Disse-me que não tinha mesmo de o fazer, mas pelo menos ter uma aparição... Não quisemos estar mal com ele... Então fui ter com ele e disse 'não, já fiz dois filmes e já estou aborrecido”. Foi a única vez que falou com Hughes. E em Asas ficou com o seu momento de glória na história da relação do cinema com os aviões. O filme andou perdido até que uma cópia foi encontrada nos arquivos da Cinemateca Francesa. A nova edição em Blu-ray e DVD apresenta o filme num restauro recente, junta-lhe extras e duas bandas sonoras alternativas.