sexta-feira, fevereiro 07, 2014

O país das facturas da sorte

1. Afinal, como é que a oposição política entende o seu trabalho? Como é possível que o governo lance esse prodígio de demagogia que é a “factura da sorte”, para sortear carros de “alta gama” entre todos os contribuintes que peçam facturas pelos bens que vão adquirindo [video: SIC Notícias], e não se ouça o rumor de uma voz oficial de qualquer espaço da chamada oposição, capaz de pôr os pontos nos ii, dizendo o que há a dizer. A saber: que tão triste “bodo aos pobres” não passa da manifestação de uma patética boa vontade, desgraçadamente inútil para enfrentar os problemas económico-financeiros do país.

2. Infelizmente, é fácil explicar porque é que as direitas se aconchegam na sua boa consciência e as esquerdas não dizem nada que realmente importe — porque têm medo de perder votos se não derem o seu aval, nem que seja através de um cobarde silêncio tácito, a uma iniciativa que, afinal, vai dar “prendas” aos portugueses... Ainda hoje esperamos que algum detentor de algum cargo político venha dizer alguma coisa de consistente sobre os euros (645 milhões, para sermos exactos) que se gastaram para fazer os estádios do Euro 2004 — já agora, valeria também a pena dissertar um pouco sobre o facto de alguns deles (Luz ou Alvalade) se terem transformado em núcleos de um obsceno pandemónio arquitectónico, enquanto outros (Algarve, por exemplo) não passam de paquidermes inúteis que ninguém sabe como gerir.

3. Há ainda outra maneira de dizer isto: predomina na classe política, dentro e fora das instâncias governamentais, uma lógica de infantilização do eleitorado. Em vez de chamar os bois pelos nomes — neste caso, nem que fosse lembrando serenamente que as “facturas da sorte” são irrelevantes para a difícil construção do nosso bem estar colectivo —, a esmagadora maioria dessa classe prefere não correr o risco de tratar os adultos como adultos. Enquistados na sua visão instrumental dos gestos políticos, sabem apenas que o melhor do mundo são as crianças.