sexta-feira, fevereiro 21, 2014

O melodrama segundo Jason Reitman (1/2)

Reitman [rodagem de Labor Day]
Autor de filmes cuja sedução começa na sua condição "fora-de-moda", Jason Reitman propõe, agora, uma bela variação melodramática — este texto integrava um dossier sobre o filme Um Segredo do Passado, publicado no Diário de Notícias (14 Fevereiro).

O menos que se pode dizer de Jason Reitman é que se trata de um cineasta que desafia qualquer classificação corrente. Por um lado, desde a sua primeira longa-metragem, Obrigado por Fumar (2005), o seu trabalho distingue-se por um espírito criativo muito ligado à produção independente; por outro lado, o seu envolvimento com grandes estrelas — George Clooney em Nas Nuvens (2009), Charlize Theron em Jovem Adulta (2011) — coloca-o no centro da grande máquina de Hollywood. Com a sua nova realização, Um Segredo do Passado (em exibição), Reitman confirma as suas singularidades, propondo uma variação inesperada sobre o melodrama clássico e contando com Kate Winslet, uma actriz já “oscarizada”.
Baseado no romance Labor Day, de Joyce Maynard (entre nós traduzido com o título Os Aromas do Verão, Porto Editora), esta é a história de um encontro bizarro e, à partida, inquietante. Tudo gira em torno de um trio improvável: Adele (Winslet), uma mulher de alguma instabilidade psicológica, e o seu filho Henry (Gattlin Griffith) dão guarida a Henry (Josh Brolin), um prisioneiro em fuga.
Em boa verdade, Henry não é uma visita esperada. Num misto de candura e pressão emocional, é ele que se insinua junto de Adele e Henry. Mãe e filho levam algum tempo a compreender os contornos da situação. E se Um Segredo do Passado começa por ser a história de um estranho que está “a mais”, acaba por se ir transfigurando na fábula intimista do nascimento de uma nova “família” a todos os instantes posta em causa pelos sinais que vêm do exterior.
Como o próprio Reitman esclareceu, em entrevista à revista Time, era para ele importante preservar um sentimento de instabilidade e surpresa que, obviamente, passava pela composição dos actores. Daí que, contrariando regras comuns, tenha pedido a Winslet e Brolin que, nos intervalos das filmagens, ensaiassem o menos possível, de modo a favorecer as marcas de uma espontaneidade muito física.
A acção do filme situa-se em 1987 e, no essencial, decorre durante o fim de semana que precede o feriado americano (“Labor Day”, primeira segunda-feira do mês de Setembro) a que o título original se refere. Todas as componentes técnicas do filme, a começar pela direcção fotográfica de Eric Steelberg (colaborador habitual de Reitman) e envolvendo o minucioso trabalho de cenografia e guarda-roupa, vão no sentido de emprestar uma elaborada consistência realista à reconstituição da época. De qualquer modo, a evocação de tal contexto envolve algo de imponderável, quase onírico, já que o filme é narrado pela personagem do filho, anos mais tarde, recordando a inesperada odisseia amorosa da sua mãe.
Apesar (ou por causa) da sua originalidade conceptual e narrativa, Um Segredo do Passado não conseguiu cumprir as expectativas que suscitava na actual temporada de prémios. Lançado nos EUA em finais de Dezembro, de modo a poder concorrer aos Oscars, acabou por não receber qualquer nomeação — apenas Kate Winslet foi nomeada para melhor actriz (drama) nos Globos de Ouro.