Com Judi Dench no papel central, Filomena prolonga a ligação do realizador Stephen Frears com a versátil máquina de produção da BBC — este texto integrava um dossier sobre a estreia do filme, publicado no Diário de Notícias (6 Fevereiro).
A BBC tem sido uma entidade essencial na trajectória do realizador Stephen Frears desde que, na década de 70, assinou várias edições de Play for Today, uma emissão vocacionada para adaptações de peças teatrais e romances. Mesmo depois de ter passado pela produção de Hollywood — sendo Ligações Perigosas (1988) o seu “desvio” mais célebre —, tem regressado regularmente às suas origens profissionais. Filomena é o mais recente exemplo dessa ligação, resultando de uma coprodução em que estão envolvidas a BBC e o Canal + francês.
Aliás, uma das personagens centrais, Martin Sixsmith, é um jornalista com uma longa relação de trabalho com a BBC. E não se trata de uma invenção ficcional. Foi Sixsmith (actualmente com 59 anos) que escreveu o livro que serviu de base ao argumento do filme: chama-se The Lost Child of Philomena Lee, teve a sua primeira edição em 2009 e nele se narra o envolvimento do jornalista com a história dramática da personagem central.
Philomena Lee e Martin Sixsmith (Foto: The Independent - Dublin) |
Philomena Lee foi uma mãe solteira no contexto muito particular de uma pequena comunidade irlandesa, Roscrea, em meados do séc. XX. Trabalhando num convento de freiras, aí encontrou acolhimento para o seu filho (situação comum a outras jovens mães), mas por pouco tempo: as crianças eram cedidas para adopção, sendo as jovens compelidas a assinar uma declaração em que se comprometiam a nunca tentar localizar os seus filhos. Acontece que, cinquenta anos depois, Philomena Lee decide quebrar tal compromisso; Martin Sixsmith acaba por ser o seu inesperado aliado em tal demanda, tendo por missão escrever uma reportagem sobre a odisseia de uma mulher que, durante meio século, manteve silêncio absoluto sobre a existência do seu filho desconhecido...
Definir o filme como um exercício mais ou menos “policial” será francamente insuficiente. Desde logo porque a questão da localização do filho vai gerando uma teia de afectos e cumplicidades, mas também de silêncios e resistências, que têm mais a ver com a grande tradição melodramática. Depois porque uma das principais linhas narrativas de Filomena nasce do diálogo entre as duas personagens principais: ela apostada em descobrir o filho, embora considerando-se “culpada” da condição em que foi mãe; ele não aceitando pactuar com aquilo que chama a “hipocrisia” dos meios tradicionais católicos.
Com Judi Dench no papel central e Steve Coogan a assumir a personagem de Sixsmith, Filomena confirma também a importância dos actores no universo cinematográfico de Stephen Frears. Ele é, de facto, um cineasta cuja visão passa sempre pela complexidade das relações humanas, nessa medida concebendo muitos dos seus filmes como um testemunho, dir-se-ia uma “reportagem”, do próprio labor dos intérpretes. Neste caso, com um detalhe que está longe de ser secundário: Coogan partilha, com Jeff Pope, a autoria do argumento.
O argumento, precisamente, foi premiado no Festival de Veneza (Setembro 2012). Agora, Filomena surge bem colocado na corrida para os Oscars de Hollywood (2 de Março), integrando o lote de nove títulos que concorrem para melhor filme do ano, com Judi Dench nomeada para melhor actriz; tem ainda mais duas nomeações nas categorias de argumento adaptado e música (Alexandre Desplat).