quinta-feira, janeiro 09, 2014

José Sócrates no pátio da escola

Fotograma de INTRIGA INTERNACIONAL (1959), de Alfred Hitchcock
I - Miséria cultural. Ao que parece, ao falar de algo que se terá passado na sua escola primária, na Covilhã, tinha ele oito anos, José Sócrates evocou de forma incorrecta o jogo Portugal-Coreia do Sul do Mundial de Futebol de 1966. E tanto bastou para que o país das chamadas redes sociais voltasse a mostrar o tipo de sociedade que está implícito nas suas práticas. Ou seja: uma comunidade da difamação permanente.

II - Não se trata, entenda-se, de escalpelizar essas palavras do ex-primeiro ministro de Portugal e comentador da RTP. Quero eu dizer que admiro, embora considere tempo perdido, o esforço de algumas vozes mais sensatas que se têm aplicado em elaborados cálculos de hipóteses sobre o dia da semana em que aquele jogo ocorreu, se havia ou não aulas, etc... Quero eu dizer também que admito, sem problemas, que Sócrates se tenha pura e simplesmente enganado. Ponto final. O que se trata de enfrentar é aquilo que, por princípio, a multidão "social" recalca: que sentido faz construir laços sociais em que o único motor de intervenção (e juízo) é o eventual erro do outro?

III - Veja-se um contra-exemplo (e podíamos encontrar outros). Em Outubro de 2013, um português chamado Passos Coelho desenvolveu uma curiosa e louvável actividade diplomática no sentido de vender num país estrangeiro um projecto (computadores "Magalhães") gerado por outro português de nome José Sócrates — quantos génios "sociais" se empenharam em dar conta do evento? Quantas vozes se interessaram por um sinal de não-conflito?

IV - Vivemos sob a ditadura "social" de um entendimento das relações humanas em que a complexidade dos factos, gestos e conjunturas já não é minimamente atendida. Pior do que isso: já nem sequer funciona a dicotomia mais mecânica e, não poucas vezes, mais simplista da "verdade/mentira". De facto, o espírito "social" dominante considera que aquilo que se repete muitas vezes — e muitos circuitos das chamadas redes sociais apenas servem para isso mesmo: criar ecos virtuais — existe como oráculo insofismável a que qualquer ser humano se deve submeter, menosprezando a sua própria inteligência e rasurando qualquer hipótese de respeito pelo seu semelhante.

V - Será preciso relembrar que nada disto implica qualquer visão angelical da figura de José Sócrates (ou seja de quem for) nem, muito menos, qualquer avaliação clubista da sua prática política? Em boa verdade, o problema está muito para além de Sócrates e do facto de algumas crianças terem estado a brincar no pátio da sua escola no dia em que Eusébio marcou três golos à Coreia... Oops! Não foram três, foram quatro — que maquiavélico plano político se esconde por detrás deste meu erro?