quarta-feira, janeiro 15, 2014

Em conversa: Beautify Junkyards (2)

Retomamos a publicação de uma entrevista com João Branco Kyron, dos Beautify Junkyards (e também dos Hipnótica) que serviu de base ao artigo “Saíram da cidade e voltaram com um disco folk nas mãos”, publicada na edição de 7 de janeiro do DN. 

Como juntaram a multidão de convidados que o disco mostra? 
Fomos juntando vários amigos ao longo do processo de gravação, com um espírito comunitário, que estava subjacente à experiência como um todo. Fomos percebendo em que músicas poderiam servir melhor essas colaborações. O i-Wolf (Wolfgang Schlogl dos Sofa Surfers) tendo produzido os últimos três álbuns dos Hipnótica foi a primeira escolha até mesmo porque falando alemão calhou como uma luva na versão dos Kraftwerk. Depois veio a Karine Carvalho (cantora e atriz) que mora em São Paulo e que achámos que tinha um timbre perfeito para interpretar o Fuga nº 2 d´Os Mutantes. A inglesa Riz Maslen (do projeto Neotropic e que colaborou com os Future Sound of London) que também já havia participado num álbum dos Hipnótica e por fim a Erica Buettner que descobrimos um pouco por acaso e que achámos curioso que uma cantora folk americana estivesse radicada em Leiria, contactá-mo-la e lançámos o convite para ela vir a Lisboa cantar e tocar em algumas das músicas do álbum. O resultado acabou por ser fantástico e desde então mantemos contacto regular, gostamos imenso da música dela e de certa forma os nossos universos criativos possuem bastantes pontos de contacto.

A folk aqui é um ponto de partida. Até onde a podemos “contaminar” com outras ideias? 
A folk representa as raízes, mas há também outros elementos que nos atraem e que também estão próximos do núcleo. A música alemã mais cósmica, a libertinagem celebratória e de contestação da Tropicália, a chamada library music, certas bandas sonoras de filmes. A renovação advém dessa mescla de linguagens e estilos e acho que esse processo acaba por fortificar as raízes e dessa forma acaba também por enaltecer a pureza. Sempre houve conflitos nas franjas da folk, quando os Fairport Convention a "electrificaram" causaram uma revolução, e a folk acabaria por transbordar dos clubes tradicionais para domínios mais vastos e explorando universos líricos muito distantes das letras da chamada folk mais tradicional. Interessa-nos muito essa "contaminação" , que continua a ocorrer até aos dias de hoje, editoras como a Ghostbox têm explorado os elementos da folk, de uma imaginário bucólico, de rituais pagãos, de pequenas vilas britânicas e seus mistérios com elementos da música electrónica contemporânea e com resultados belíssimos.

Porque há este renovado encantamento pela simplicidade da folk geração após geração? 
Nos últimos anos temos assistido a um renovar da linguagem da folk americana, a folk das vastas planícies: Bonnie Prince Billy, Bill Callahan, Bon Iver, só para citar alguns. Em Portugal também temos assistido a uma nova geração de cantores folk, alguns com um cariz mais de reflexão/intervenção social. Penso que são sinais dos tempos, há uma necessidade intrínseca a cada um de nós de termos portais de acesso a outros estados de espírito. Nos finais dos anos 60 os tempos eram conturbados em diversos pontos do globo e essa onda de mudança trouxe consigo muita experimentação, mas também muitos elementos musicais de escape, de tentativa de vislumbrar e perceber através da música formas de viver mais em sintonia com o meio envolvente, muitas vezes por relatos de visões muito intimistas que a folk nos ofereceu. Atualmente estamos novamente numa fase de grande transição, já sem as ilusões que alimentavam outros tempos, mas novamente com uma necessidade de resgatar alguma leveza, uma certa inocência de olhar e novamente a folk traz essa possibilidade. A nós atrai-nos mais a folk dos jardins nas traseiras, dos recantos, dos breves instantes, daí essa proximidade maior que sentimos à folk inglesa, se calhar por estar mais próxima da nossa realidade portuguesa, aliás, diz a lenda que várias músicas do Pink Moon foram compostas pelo Nick Drake aquando da sua estadia no Algarve na casa do Chris Blackwell, dono da Island Records.

Este é um disco que esgota uma experiência. Ou coisa de continuar? 
Temos planos para continuar, temos agora uma formação base mais alargada com a entrada da Rita Vian para as vozes e teclados e estamos neste momento a fazer concertos de promoção do álbum. Ao vivo estamos a tocar uma versão de uma música belíssima do Zeca Afonso que se chama Que amor não me engana e estamos a pensar gravá-la em breve. Estamos também a trabalhar em temas originais e queremos lançar um novo álbum no próximo ano. Quanto a este nosso álbum de estreia, que havia sido lançado internacionalmente pelos holandeses da Clear Spot em Setembro, vai ser relançado em Fevereiro de 2014 na Inglaterra através da Shellschock com a qual assinámos um acordo de distribuição. As críticas ao álbum têm sido fantásticas e fomos mesmo destacados em alguns listas dos melhores álbuns de 2013, como por exemplo na revista americana de música Goldmine (dedicada a edições/colecionismo de dicos vinil) ou no site inglês God is in the TV.