domingo, dezembro 15, 2013
Um retrato de Galileu, por Philip Glass
A presença de retratos é marcante na história da produção operática de Philip Glass. Depois de Britten e Henze, ele foi talvez o grande dinamizador de um reencontro deste espaço criativo com as agendas dos teatros de ópera e os hábitos de consumo, sendo hoje um dos compositores do nosso tempo com mais significativa relação com a música dramática. As suas três primeiras óperas foram, todas elas, retratos. Einstein On The Beach (1974), Satyagrtaha (de 1980, centrada na figura de Gandhi) e Akhnathen (1984) representaram mesmo a criação de uma triologia sob características comuns (apesar das evidentes diferenças musicais entre a abordagem mais próxima da linguagem minimalista e o claro encetar de um novo rumo mais lírico, e já sob um relacionamento com a orquestra, nas duas restantes). De então para cá trabalhou, também no formato de ópera, retratos de figuras como Kepler (2009) e Disney (no mais recente The Perfect American, que estreou em janeiro deste ano em Madrid). Galileu Galieli, de 2001, é outro exemplo não apenas deste gosto pela sugestão de retratos, mas também de um interesse pelas questões da ciência e da sua relação com a história e a fé, presentes em diversos outros focos narrativos de outras criações suas. A ópera tem primeira edição em disco numa gravação da produção da Portland Opera apresentada em 2012, com direção de Anne Manson e as presenças vocais de Richard Troxell (Galileu velho), Lindsay Ohse (Maria Celeste) e Andre Chiang (Galileu jovem).
Galileu Galilei parte de cartas de Galileu e de figuras da sua família, assim como de outros documentos da época, para construir um olhar sobre um homem que, na primeira cena, encontramos no fim de uma vida da qual depois recuperamos alguns episódios que nos colocam perante as descobertas e as suas consequências, em particular estabelecendo confrontos entre a ciência, a religião e a arte. Musicalmente a ópera não se afasta dos caminhos que a música de Glass percorria há pouco mais de uma década, longe portanto dos sinais de novas demandas que obras mais recentes como The Perfect American ou as sinfonias números 7, 8 e 9 colocaram em cena, se bem que em alguns momentos revele sinais de alargamento da sua linguagem a outros horizontes, nomeadamente na cena em que de dialoga sobre os dois principais sistemas que regem a ideia do nosso mundo, no qual são evidentes ligações a ecos da ópera romântica e da sua dinâmica vocal. Mesmo assim, na verdade Galileu Galilei é uma obra mais interessante pela abordagem que faz à personagem e às ideias que coloca para nossa reflexão que propriamente ao trabalho musical em si. Não que seja uma obra menor de Glass. Mas, ao contrário de um The Perfect American ou The Voyage, não representa um momento de exceção. E aqui vale a pena recuar a’O Corvo Branco, de 1998. Porque, a cada nova ópera que surge, cada vez mais essa parece ser, juntamente com as duas ainda agora referidas, a trilogia original e a sublime The Civil Wars, uma das melhores do seu já longo percurso como compositor.