domingo, dezembro 01, 2013

Quando a percussão pede a "palavra"


A primeira reação que o compositor John Corigliano (n. 1938) recorda do momento em que o convidaram a compor um concerto para percussão é mostra como, afinal, deu (e bem) conta do recado, ele explica a quantidade de problemas pela frente perante o desafio de tornar peça central de uma obra uma série de instrumentos que usa frequentemente, que amplificam a coloração da paleta sonora das suas composições, mas que não toma com tamanha visibilidade e fôlego (ao contrário, por exemplo, de um Steve Reich, que tem considerável obra nesse calibre para instrumentos de percussão).

No texto que ele mesmo assina nota como por vezes a identidade do instrumentista se pode perder entre a miríade de “bangs, clashes & spalshes” (nem traduzi) do arsenal de percussão e que “só o elemento visual de haver uma pessoa a tocar todos estes instrumentos os junta”. Como resultado, sublinha, muitos dos concertos para percussão que já escutou soam a “peças orquestrais com uma secção de percussão extra large”, notando que assim o “interesse melódico” da escrita acaba voltado para o resto da orquestra, cabendo à percussão, afinal, um papel de acompanhamento.

Em Conjurer, obra de 2007, o norte-americano John Corrigliano junta mais um momento marcante a uma obra que contamos entre as maiores do nosso tempo e que nos deu já marcos da história recente da música como a sua Sinfonia Nº 1 (1991), na qual reflete sobre a era da sida ou Concento For Violin and Orchestra: Red Violin (2005), nascido diretamente da banda sonora do filme O Violino Vermelho, de François Girard, que ele mesmo compôs.

Dividindo a peça em segmentos que distinguem as fontes de som segundo os nomes que as designam – wood, metal, skin – John Corrigliano procurou um caminho que atribuísse ao solista a condução dos acontecimentos, destacando-se e comandando depois a orquestra a seu lado, a natureza dos sons de cada um dos “andamentos” alargando as potencialidades a explorar pela escrita (e pela própria interação da percussão com as cordas). Um certo classicismo brota ocasionalmente (de dimensão algo Beethoveniana, por exemplo, no andamento final), do diálogo entre a percussão e a orquestra surgindo uma música que cativa inicialmente pela invulgaridade do protagonismo dos acontecimentos tímbricos (e suas consequências melódicas), mas acaba por nos transportar para um patamar onde o diferente e o familiar se encontram, confirmando em pleno a capacidade de Corrigliano em escapar aos horrores que antecipara.

A demanda levou-o a criar soluções que passaram pela própria criação de instrumentos (como um “teclado” de madeiras que colocou junto a uma marimba), da exploração das potencialidade de cada um nascendo mais que as frequentes explorações de texturas ou de acontecimentos pontuais. Conjurer – Concert For Percussionist and String Orchestra tem aqui primeira gravação numa interpretação pela Alban Symphony, sob direção de David Allan Miller e destacando o trabalho (soberbo) da reputada percussionista Evelyn Glennie.

O disco (ed. Naxos) junta ainda uma primeira gravação de Vocalise (1999), obra vocal para orquestra e electrónicas, que junta ao elenco que nomes aqui reunidos a soprano Hila Plitmann.