Descoberto por Marc Almond em versões cantadas por David Bowie ou Scott Walker, o belga Jacques Brel tornou-se cedo num dos seus autores de eleição e um dos autores que mais vezes cantou. A ele dedicou inclusivamente o alinhamento de todo um álbum que, com o título Jacques, editou em 1989.
Em outubro deste ano escrevi aqui sobre este disco numa das entradas da série Discos Pe(r)didos.
“Ainda os Soft Cell viviam a sua primeira vida e uma estreia a solo estava ainda distante quando Marc Almond criou o seu primeiro projeto paralelo. Chamou-lhe Marc and The Mambas e logo no álbum de estreia Untiteled, editado em 1982, apresentava uma versão de Ne Me Quittes Pas, um dos clássicos maiores da obra de Jacques Brel. O cantautor belga, que teve importante primeiro representante em língua inglesa nas versões que, entre 1967 e 1969 foram surgindo nos três primeiros discos a solo de Scott Walker (de quem curiosamente Almond gravava Big Louise nesse mesmo disco com os Mambas), começava a conhecer ali a sua segunda voz maior do outro lado da Mancha. É verdade que tanto Bowie como Momus, entre outros mais, assinaram versões de canções de Brel. Mas apenas Marc Almond registou um álbum inteiro de versões de canções suas (já agora recorde-se que o álbum Scott Walker Sings Jacques Brel é na verdade uma antologia de 1981 reunindo as versões gravadas entre Scott 1 e Scott 3). Gravado depois de The Stars We Are, quarto álbum a solo (e o primeiro com visibilidade maior além do mercado britânico), Jacques é um disco que, mesmo centrado num lote de canções de Brel, revela um alinhamento profundamente pessoal vocalmente claramente dominado pela personalidade fortíssima do canto de Marc Almond. Entre traduções e adaptações assinadas por Paul Buck em língua inglesa e arranjos que se aproximam dos espaços da torch song e universos já visitados pelo cantor (porém longe da pop mais encorpada de The Stars We Are), Almond assimila e transforma as canções, transbordando Jacques do sentido de coerência que nasce tanto do repertório visitado como da solidez de quem o interpreta. Entre clássicos de Brel, como Ne Me Quittes Pas ou J'Arrive e peças mais distantes do tronco canónico da obra de Brel – num conjunto de escolhas que reflete também uma vivência mais intensa e pessoal da sua obra – como La Ville s'endormait ou Il Nous Faut Regarder, Almond enceta neste disco um espaço de abordagem temática a outros universos autorais, todavia próximos dos seus interesses, do qual resultariam títulos posteriores como o Absynthe: The French Album (1992) ou Orpheus in Exile – Songs of Vadim Kozin (2009). Curiosamente, dois anos depois, escolheria uma outra canção de Brel para, com arranjo eletrónico, apresentar o álbum The Tennement Symphony. E aí nasceu Jacky, um dos seus maiores êxitos a solo”.