Não se pode dizer que sejam exactamente novidades. Em boa verdade, não precisam de ser: a edição de uma caixa com seis-filmes-seis de Jean-Luc Godard é sempre um acontecimento à parte — e, neste caso, um dos factos mais relevantes do panorama do mercado do DVD em finais de 2013.
De que consta, então, esta 'Colecção Godard' (Studio Canal/Zon Audiovisuais)? Pois bem, de seis momentos emblemáticos da Nova Vaga, e tanto mais quanto correspondem a um período relativamente curto de trabalho (1961-66), durante o qual o génio godardiano desafia, reconverte e reimagina a frondosa herança dos clássicos. Eis o panorama:
* UMA MULHER É UMA MULHER (1961) - É a segunda longa-metragem de Godard. Depois das derivações existenciais de À Bout de Souffle/O Acossado (1959), intimamente ligadas à herança filosófica do noir americano, surgia... um musical! Com Anna Karina, Jean-Paul Belmondo e Jean-Claude Brialy, uma celebração irónica e poética da herança de Minnelli e seus pares.
* O DESPREZO (1963) - Porventura o mais conhecido título da filmografia godardiana, trata-se de uma sublime (e muito livre) adaptação de um romance de Alberto Moravia, centrada na rodagem de uma nova versão da Odisseia, com realização de Fritz Lang — Lang interpreta Lang, com Brigitte Bardot e Michel Piccoli a testarem os limites do romantismo.
* O SOLDADO DAS SOMBRAS (1963) - Memórias a quente da guerra da independência da Argélia, condensa uma atitude que, ao longo das décadas, tem permanecido: a de um fascínio ambíguo pelas convulsões da política, oscilando entre a crueldade do pragmatismo e o desejo da verdade. Ou a arte de, num mundo sem heróis, não desistir da vocação moral do cinema.
* PEDRO O LOUCO (1965) - Viagem fantástica pelos restos carnais e simbólicos de todos os romantismos: Anna Karina (Marianne) e Jean-Paul Belmondo (Pierrot, aliás, Ferdinand) percorrem a França como quem tenta redesenhar os mapas de todos os paraísos perdidos — não será possível compreender a modernidade sem passar pelas imagens e sons de Pierrot le Fou.
* ALPHAVILLE (1965) - Eddie Constantine, retomando a sua personagem do agente secreto Lemmy Caution, e Anna Karina, a frágil Natach von Braun, testam a possibilidade de o amor persistir num futuro de manipulação tecnológica e mental dos cidadãos. Para redobrar a perturbação, a ficção científica nasce dos sinais muito concretos, a preto e branco, de Paris em 1965.
* MADE IN USA (1966) - O que será um "filme de Walt Disney com sangue"? É esta confluência da nostalgia do noir com os delírios cromáticos da arte pop, tudo reunido numa paisagem em que o sarcasmo da banda desenhada se pode cruzar com a parábola política. Se é verdade que Godard está sempre à frente do seu tempo, este continua a ser um filme tragicamente presente.
>>> Sobre Godard: Senses of Cinema + The Criterion Collection + INA.