O trailer desse notável objecto de investigação e cinefilia que é A História do Cinema – Uma Odisseia contém uma sugestão exemplar: são infinitas imagens (e sons) de filmes, desenhando um labirinto de onde, num certo sentido, não é possível sair. Com uma componente que importa reter e sublinhar: a reunião de tais documentos não vale pela mera acumulação "enciclopédica"; eles dialogam entre si, gerando uma narrativa que começa na pulsão romanesca da história (story, não history) e desemboca nas muitas tensões, relações ou cumplicidades que os filmes, distintos e distantes, podem estabelecer entre si.
Mark Cousins, autor e narrador de tão impressionante monumento (15 episódios, 15 horas, 5 discos de DVD), desafia, de uma só vez, duas convenções muito televisivas: primeiro, a de que o cinema não passa de uma colecção de anedotas pitorescas, efeitos especiais e passadeiras vermelhas; segundo, a de que os filmes são a mera ilustração "telenovelesca" de uma história previamente definida. Qual é, então, o tema nuclear desta Odisseia? Pois bem, o cinema como linguagem: percepção, registo e reconfiguração do mundo, sua discussão e reinvenção num processo em que tudo se faz e refaz através das convulsões do tempo.
Podemos, evidentemente resistir a alguns paralelismos sugeridos por Cousins ou até ao modo como certas asserções estéticas parecem procurar uma legitimação unilateral em enunciados morais. Em todo o caso, nada disso diminui o carácter excepcional da obra e a importância da respectiva edição — não é todos os dias que alguém nos convoca para as singularidades da arte, e também do prazer, de ser espectador.