sábado, dezembro 07, 2013

Entre os discos da Banda do Casaco:
Dos Benefícios de um Vendido no Reino dos Bonifácios (1975)


É preciso em primeiro lugar dar conta do quando e do onde: Portugal, 1975. Tempos quentes, a revolução ainda perto, os ânimos exaltados, calças boca de sino e barbas quanto baste, em vez de futebol e de famosos falava-se de políticas e de políticos, de fascistas e de trabalhadores, e quem não encaixava numa “caixinha” com cor distinta (nem que as micro-cores, com pequenas mudanças de tonalidade, que surgiam nos extremos do espetro) estava fora, estava desalinhado... Ai Jesus... Cruzes canhoto... Lagarto, lagarto, lagarto...  (*)

É neste tempo que surge o álbum de estreia da Banda do Casaco. Na verdade a música e as ideias já vinham de trás. Havia primeiros discos em outras bandas, do Música Novarum (que revelara Nuno Rodrigues) à Filarmónica Fraude (onde surge António Pinho). Reunidos por um amigo comum em 1973, com as canções entretanto gravadas em 74, a Banda do Casaco apresenta o seu primeiro single ainda no ano da revolução e lança o álbum de estreia em 75. Dos Benefícios do Vendido no Reino dos Bonifácios era um disco diferente de tudo o que se escutara entre nós (na verdade lançando um paradigma que cada novo lançamento respeitaria). O tutano das ideias primordiais tinham nascido de uma maneira de partir da folk como o faziam nomes como Alan Stivell ou os Fairport Convention. Mas a vontade de transcender as fronteiras de género e os regimes de referências habitava uma vontade de experimentar sons e formas. E assim, de ecos vocais da música antiga a pontuais visitas a periferias do jazz nascia um conjunto de canções que, narrativamente, propunham uma história: a de um homem que, pelo casamento, procurava ascender socialmente.

Além da música (dos sons) o disco trazia também sinais de um outro não-alinhamento. Era um disco político, uma vez que olhava um país, um povo, um tempo. Mas em vez de falar de tratores e burgueses, a Banda do Casaco olhava para o todo, para as ideias, procurando antes desmontar a sociedade de então. Não era um manifesto partidário. Não encaixava na esquerda nem na direita. O que incomodava muito (sobretudo à esquerda). A verdade é que, passados todos estes anos, esta música dá-nos um mais interessante e vibrante retrato daqueles tempos, a milhas de tantos cantos-manifestos que se faziam escutar (não os de referência, esses de facto musical e poeticamente ricos, mas os menores, que por aqueles dias se multiplicaram à sua sombra).

(*) Para quem não conhece, esta é uma citação à letra de uma das canções do disco.