O regresso de Casablanca em cópia digital, restaurada, confirma uma boa tendência: as reposições de clássicos são de novo uma opção da distribuição/exibição — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Dezembro), com o título 'Casablanca regressa em nova cópia digital'.
Em boa verdade, Casablanca será tudo menos uma novidade. Produzido em 1942 pelos estúdios Warner Bros., com realização do cineasta de origem húngara Michael Curtiz, consagrando o lendário par Humphrey Bogart/Ingrid Bergman, este é um daqueles títulos regularmente citados, celebrados e reproduzidos (nas cassetes de vídeo, no DVD e, claro, no mais recente e sofisticado Blu-ray).
O certo é que a sua reposição (em salas de Lisboa e Porto) adquire um significado tanto mais importante quanto, por certo, representará para muitos espectadores a possibilidade de ver Casablanca, finalmente, no contexto para o qual foi pensado: o grande ecrã de uma sala escura. Aliás, o acontecimento redobra de significado tendo em conta que o filme reaparece numa cópia restaurada, em formato digital, devolvendo-nos as muitas nuances da notável fotografia a preto e branco assinada por Arthur Edeson.
Em todo o caso, vale a pena recordar que na origem Casablanca não foi concebido, de modo algum, como um objecto que visasse a dimensão mitológica que, a partir de certa altura, se lhe colou como uma segunda identidade. O filme surgiu no interior de uma estrutura industrial cuja capacidade de produção era, de facto, inusitadamente grande (muito superior à que hoje existe em Hollywood). Ficando-nos pelo trabalho de Curtiz, valerá a pena referir que Casablanca não foi a sua única realização em 1942: também nos estúdios da Warner, ele dirigiu ainda Corsário das Nuvens e Canção Triunfal (o célebre Yankee Doodle Dandy, sobre o compositor George M. Cohan), ambos protagonizados por James Cagney.
Consagrado com o Oscar de melhor filme (tendo sido distinguido também nas categorias de realização e argumento), Casablanca acabou por se impor como matriz do melodrama de guerra. A história de Rick e Ilsa (Bogart e Bergman) envolve, assim, dois vectores complementares: por um lado, é uma sofisticada variação sobre o par romântico, as suas atribulações amorosas e morais; por outro lado, com a ameaça nazi em pano de fundo, a história dos refugiados de Casablanca (à procura de um visto para apanharem o avião para Lisboa e, depois, seguirem para a América) fica como uma das primeiras e decisivas propostas de Hollywood directamente ligada ao envolvimento diplomático e militar dos EUA na acção das nações aliadas contra a Alemanha de Adolf Hitler.
Rezam as crónicas que a rodagem foi marcada por algumas hesitações em relação ao desenlace do filme, a ponto de, por vezes, o argumento ter sido escrito dia a dia, sem certezas antecipadas sobre o seu desenvolvimento. O certo é que tudo isso cristalizou no tempo e, hoje em dia, Casablanca possui o encanto das genuínas lendas cinéfilas. Na lista do American Film Institute, consagrando os 100 filmes mais importantes na história do cinema americano, surge em terceiro lugar, após O Mundo a Seus Pés (1941), de Orson Welles, e O Padrinho (1972), de Francis Ford Coppola.