O ano que assinalou as três décadas sobre a estreia em disco dos The Smiths (com o single Hand In Glove) fez de Morrissey uma figura no centro das atenções. O lançamento da sua muito aguardada autobiografia representou simplesmente o momento mais importante do ano editorial no universo do relacionamento entre a música e os livros. Houve ainda a edição do filme-concerto Morrissey - 25 Live. E ainda a chegada a single de uma versão de Satellite of Love, de Lou Reed, com letra a assinalar uma posição clara do músico quanto à televisão.
Já a seguir fica o texto que publiquei na edição de 21 de dezembro do suplemento Q. do DN onde apontava precisamente a Autobiography de Morrissey como o meu livro do ano.
“A minha infância foram ruas sobre ruas sobre ruas sobre ruas”... Começam assim (em tradução livre) as 457 páginas de relato na primeira pessoa de uma das figuras mais importantes da história da música popular e, convenhamos, uma das (auto)biografias musicais mais aguardadas dos últimos anos. Morrissey chamou-lhe muito simplesmente Autobiography (num registo que quase parece tirado do livro de estilo dos títulos de uns Pet Shop Boys). E, tal como em tempos tinha feito questão de editar música por um selo “clássico” da Decca, também desta vez o lançamento chegou com igual identificação com uma herança maior, surgindo o volume como parte da mui notável série Penguin Classics, com capa com design a rigor e tudo.
Ainda sem sinais de eventual edição (traduzida, claro) por estes lados, o livro traz uma expressão daquele jogo de confiança no registo “para o melhor e para o pior”. Sabemos que quem conta sabe o que conta (e como mais ninguém pode contar). Mas, também, que o ponto de vista será sempre “oficial” e eventualmente com as marcas vincadas de posições tomadas em casos de confrontos (uns mais conhecidos, outros nem por isso).
“A minha infância foram ruas sobre ruas sobre ruas sobre ruas”... Começam assim (em tradução livre) as 457 páginas de relato na primeira pessoa de uma das figuras mais importantes da história da música popular e, convenhamos, uma das (auto)biografias musicais mais aguardadas dos últimos anos. Morrissey chamou-lhe muito simplesmente Autobiography (num registo que quase parece tirado do livro de estilo dos títulos de uns Pet Shop Boys). E, tal como em tempos tinha feito questão de editar música por um selo “clássico” da Decca, também desta vez o lançamento chegou com igual identificação com uma herança maior, surgindo o volume como parte da mui notável série Penguin Classics, com capa com design a rigor e tudo.
Ainda sem sinais de eventual edição (traduzida, claro) por estes lados, o livro traz uma expressão daquele jogo de confiança no registo “para o melhor e para o pior”. Sabemos que quem conta sabe o que conta (e como mais ninguém pode contar). Mas, também, que o ponto de vista será sempre “oficial” e eventualmente com as marcas vincadas de posições tomadas em casos de confrontos (uns mais conhecidos, outros nem por isso).
Se as disputas pós-Smiths representam os pedaços de texto menos empolgantes do livro, já as memórias das vivências de descobertas são janelas que nos levam por mergulhos na compreensão de uma figura ímpar na história da música do nosso tempo. Morrissey confessa-nos que “as propriedades mágicas do ruído gravado” o armadilharam a partir de 1965. Com ele andamos por ecos do que recorda de discos de Marianne Faithfull ou Nico, de David Bowie ou dos Roxy Music. O primeiro concerto, ao som dos T-Rex (em 1972). O encantamento pelos New York Dolls. E depois as palavras inspiradoras, de Auden, de Houseman. Há aqueles episódios de mitologia, do concerto dos Sex Pistols em Manchester à “invasão” do escritório de Geoff Travis na Rough Trade, de gravação dos Smiths na mão, de lá saindo com um “sim” e um primeiro single pouco depois.
Muito do que aqui lemos é coisa de ouvir. A música habita os canos das frases, os episódios das suas canções ou das canções dos outros fazendo o tutano de um texto que sabe também ser pessoal (franco mesmo na intimidade) e espaço de reflexão sobre o seu espaço e o seu tempo. E mesmo com (a esperada dose de) recados, Autobiography foi a melhor leitura com música por perto que chegou às páginas de um livro este ano.