Sérgio Godinho
“Caríssimas Canções”
Mercury / Universal
4 / 5
Sendo essencialmente um autor, raras foram as vezes em que Sérgio Godinho levou aos seus discos as canções dos outros. E na sua discografia de estúdio contam-se apenas três exemplos em mais de 40 anos de lançamentos, com O Namoro de Fausto, as Endechas a Bárbara Escrava de Camões segundo José Afonso e O Carteiro do Conjunto António Mafra. Em palco abre contudo horizontes a outros universos, e o disco ao vivo de finais dos noventas, Rivolitz, mostra mesmo instantes em que avançou pelas memórias de Dylan, de Gainsbourg e, uma vez mais, José Afonso. As Caríssimas Canções, que agora surgem num disco, chegam contudo como consequência de um projeto maior que definiu um ciclo que assim se conclui. Tudo partiu de um desafio para a escrita de crónicas (escolheu escrever 40), que depois levou a livro e, mais tarde, ao palco. O álbum traduz as gravações das noites passadas nos palcos do CCB (Lisboa) e Casa da Música (Porto) onde estas versões se fizeram ouvir pela primeira vez. Conhecedor de uma velha máxima (sua) que diz “cuidado com as imitações”, Sérgio fez questão de procurar um patamar comum de entendimento entre canções que vinham de autores, géneros e épocas diferentes. Chamou Nuno Rafael (com quem trabalha regularmente desde o álbum Lupa, do ano 2000) e a dupla dos Clã Manuela Azevedo e Hélder Gonçalves (com quem assinou o marcante espetáculo Afinidades que nasceu na Expo 98 e chegou a disco em 2001). E juntos encontraram um caminho numa lógica “de câmara”, do pouco fazendo muito, trabalhando arranjos contidos, embora versáteis, não apagando nunca a essência da alma de cada canção mas permitindo que a voz de Sérgio Godinho as fizesse, no fim, claramente suas. São particularmente felizes os instantes em que recria Geni e o Zepelim de Chico Buarque (originalmente nascida para a Ópera do Malandro), Vendaval de Tony de Matos ou o Rapaz da Camisola Verde, de Frei Hermano da Câmara (que surge na forma de uma marcha, sublinhando do uma relação antiga de Godinho com a música popular portuguesa). Por aqui encontramos ainda originais de Noel Rosa, Violeta Parra, Caetano Veloso, Pixinguinha ou Jacques Brel. Há uma abordagem tensa, atual (e consequente) aos Vampiros de José Afonso. Há flirts bem conseguidos com a memória de Elvis e dos Rolling Stones e outros, menos felizes, com os Beatles e os Doors. No fundo partilham-se gostos, memórias, experiências e até histórias. Cruzam-se afinidades. Mas, no fim, e apesar de isto estar tudo ligado, as versões são claramente de autor. E nem que por um disco, estas canções são agora de Sérgio, do Nuno, do Hélder e da Manuela.