segunda-feira, novembro 04, 2013

Novas edições:
M.I.A., Matangi

M.I.A.
“Matangi”
Interscope / Universal
5 / 5

Histórias mundanas e teorias da conspiração aparte, a verdade maior sobre M.I.A. é que, como Matangi confirma, é uma das vozes criativas mais únicas, inventivas e verdadeiramente capazes de traduzir o presente que o mapa mundo da música popular hoje coloca à nossa frente. E em apenas dez anos (foi em 2003 que se estreou com o single Galang) construiu uma obra que, como poucas, traduz uma invulgar capacidade de reinvenção, adaptação a novas formas e linguagens e, acima de tudo, expressa individualidade e uma firme vontade em não ceder a tentativas de moldagem do que faz a eventuais ideias que não aquelas em que acredita (não admira por isso que, além da música, se tenha transformado num ícone para uma forma de estar na vida e na arte). Há três anos o brilhante Maya era tudo menos o que a “indústria” poderia querer depois do fulgor de Kala no departamento das vendas (sobretudo graças ao impacte de singles como Jimmy ou Paper Planes), desafiando mesmo o superior Born Free (acompanhado por um dos melhores telediscos de sempre, assinado por Romain Gavras) as fronteiras da alma punk. Depois seguiu-se uma nova e promissora mixtape, mais uma colaboração em MDNA de Madonna e o incidente do dedo levantado na atuação no Superbowl. Matangi, o quatro álbum de originais, ia nascendo aos poucos, desde logo com promissor cartão de visita no superlativo Bad Girls. Adiado e mais vezes adiado, o álbum, diz a mitologia pop, ganhou finalmente data de lançamento quando a cantora ameaçou faze-lo “leakar” (como se diz em internetês). E, depois de tornado público em streaming há poucos dias, eis que hoje chega às lojas, revelando aquele que não só é um dos melhores discos de 2013 como um dos que mais bem traduzem ecos do nosso tempo na forma de música. Abarcando formas e referencias que cruzam momentos de toda a sua obra até este momento, Matangi é uma montra de ideias que M.I.A. molda numa impressionante coleção de canções que a eclética equipa de produção defende numa lógica minimalista que impede quaisquer formas de afogamento perante eventuais adornos desnecessários. Voz e percussões definem o tronco estrutural de um edifício que acolhe ideias que tanto passam pela celebração da cultura pop (em Bad Girls) como pela assimilação de ecos de uma identidade que passa pelas formas aparentemente tão distantes quanto o dub ou marcas da grande cultura indiana, sem esquecer um já conhecido gosto pelo escutar dos rumos do mundo presente (não é por acaso que o timoneiro do projeto The Weekend é aqui um dos colaboradores). A depuração de linhas com afinidade com o kuduro, a estilização de ideias escutadas na vastidão da cultura hip hop, o uso do glitch, o recurso a derivações abrasivas da electrónica dançavel e uma angulosidade digital (que tem paradigma em Bring The Noise) ajudam depois a construir um álbum tenso e intenso que, como poucos, sabe definir o que pode ser o som da linha da frente do nosso presente. Conta a mitologia (uma vez mais) que Julian Assange ajudou-a a encontrar sinónimos para “tent” em atTENTion... Parece que responde ao “caso” Superbowl em Boom Skit... Este é talvez o mais ambicioso, ousado (e abrangente) dos seus discos até hoje, fazendo de si uma vez mais uma das almas pop mais no gume da invenção da música do nosso tempo. Juntamente com o superior Shaking The Habitual, dos The Knife, este é um dos discos que mais bem define o que é o som da frente de 2013.